24.4.06

Porque as pessoas me irritam

"Do. Or do not. There is no try." - Yoda

Por vários e vários anos eu tentei ser uma pessoa melhor, hoje sei que não sou alguém melhor e que isso não será possível, o que eu posso tentar é melhorar sempre. È mais ou menos como tentar alcançar o divino, naquela história da tríade budista representada pela letra Ohm () - corpo, alma e mente, todos os três em busca do divino, que fica separado e desligado de ambos.

Agora eu assumo a minha frustração e começo a seguir um rumo diferente. Tento não só “melhorar a mim mesmo”, mas também a tentar melhorar as coisas que estão a minha volta. Poderia sugerir ao mundo que isso é altruísmo ou que eu sou uma pessoa “iluminada”, mas a verdade é outra – quero um mundo decente para que eu possa viver do jeito que acho correto e também um mundo decente para os meus filhos. Não quero a paz mundial, porque o homem nunca vai conseguir viver em paz, mas quero objetivos mais básicos, quero poucas mudanças, mas que elas ocorram de fato.

E devido a tudo isso descobri algo amargo: as pessoas me irritam. Sim, o ser humano me irrita porque gosta de ser ignorante e permite que outras pessoas montem em cima deles – e não é de hoje isso, sempre foi assim. Quando você lê as palavras de filósofos antigos e até mesmo de gente mais “nova”, como Nietzche, Kropotikin, G. Orwell, Tolstoi e afins você vê essa preguiça de mudar e de fazer que é inerente ao ser. Isso me enerva e ultimamente tento ao máximo combater essa postura nos outros.

Acham que eu estou falando besteira? Tudo bem, vamos então tentar pensar um pouco.

1. Você sabe os seus direitos?

Se a resposta é positiva e você sabe a maioria dos seus direitos como cidadão brasileiro e como ser humano, então pare e pense como você os aprendeu. Alguém lhe disse? Se sim, quem? Seus pais? Sua namorada ou namorado? Seus amigos? Ou você foi atrás por conta? Na verdade, os seus direitos deveriam ser ensinados na escola, mas se você foi atrás deles, parabéns, você faz parte da minoria. Pergunta para sua empregada se ela sabe quais são os artigos dos direitos humanos; na verdade, nem precisa perguntar se ela sabe os artigos, mas sim o que definem esses direitos e o que ela tem como garantias. Tenta agora perguntar para o seu porteiro, para o tio da banca, para o cobrador, para o motoboy que entrega pizzas pra você ou para o seu amigo do apartamento ao lado. A maioria das pessoas não saberá responder a sua pergunta.

Agora, tente com a Constituição, que define os direitos e deveres da pessoa como cidadã do país.

Sim, você vai ficar assustado, pois ninguém sabe o que pode ou não ser feito quando um carro da polícia te para na rua e começa a pedir para que você tire seus tênis e peça os seus documentos ou para revistar a sua bolsa. Você precisa saber, por exemplo, que você não tem o dever de tirar o seu tênis, que você não pode tirar a sua meia, que eles não podem pedir para que tire a sua camisa (levantar na altura da barriga eles podem) e também não podem colocar a mão dentro da sua bolsa ou carteira. Só que você sabia disso? Creio que se souber faz parte da minoria que teve acesso a essa informação porque (1) seus pais trabalham na área de direito ou (2) você está fazendo faculdade de direito.

Enfim, isso me irrita, porque o ser humano não sabe nem se pode ou não peidar no elevador e vem se metendo na vida alheia como se soubesse de tudo, como se os valores morais que são naturais ao INDIVIDUO pertencessem a eles e a sua doutrina pseudo-religiosa definisse tudo o que deve ser sabido. Arghs!

2. Mandam eu fazer, eu faço

Arghs, esse é o motivo mais estúpido de todos. Herança retardada da mente colonizada e apertada por todos esses séculos por uma sociedade baseada em oligarquias agrárias e elites que sempre deixaram o povo o mais estúpido possível para não reclamar do pasto cheio de bosta que ele é obrigado a utilizar como comida.

As pessoas não se mexem e, quando você questiona porque não agiram com relação a algo, dizem “ninguém me pediu pra fazer”.

Proatividade e necessidade de mudança, ação frente aos perigos, desafios e injustiças. Ninguém sabe de nada então ninguém é obrigado a fazer nada. As pessoas foram condicionadas a serem passivas, a não exigirem mudanças na estrutura da sociedade.

Porque não fazem igual o pessoal fez lá na Bolívia e fazem uma greve geral para solicitar mudanças que melhoram a vida do povo? Não, nem os bolivianos fizeram direito e, segundo fontes oficiais (nas quais eu não costumo a acreditar muito não, principalmente porque defendem os interesses de quem está no poder – isso pra mim se chama propaganda) só 30% da população do país aderiu a greve.

3. Não adianta votar, afinal, político é tudo ladrão

Frase e espírito pra lá de idiota. Poxa, se você não acredita em política, então começa a batalhar pra fazer a sua política. Caso você não acredite que os políticos são honestos (como eu não acredito), então faça algo pra mudar. Comece a pesquisar sobre pessoas que também acham isso e comece a olhar com cuidado onde você coloca os seus pezinhos. Não adianta bancar o revoltado punk de esquina e falar “não brinco mais”, tem que fazer algo pra mudar o sistema de verdade, ao invés de ficar arrotando ideologia adolescente.

Taí, as pessoas me irritam profundamente com esse conformismo. Não é só com relação a isso, é com relação a tudo. A maioria é burra e ainda acredito piamente que o coletivo é inercial, a massa é ociosa e segue o fluxo mais fácil – a lei do menor esforço não foi feita pelo Gerson, mas sim por algo bem mais antigo, mais incrustado na natureza humana.

4. Passa na TV, então é verdade

Outro motivo porque as pessoas me irritam, mas que acaba sendo gerado pela mesma preguiça mental dos dois anteriores.

Se na televisão passa alguma coisa, então aquilo é fato consumado e não é mentira. Pare, como a televisão mentiria para a gente, afinal, ela nos educou da década de 1970 até os tempos atuais. Impossível que nossa fiel matriarca e divulgadora das verdades universais estaria divulgando informação não condizente com a verdade factual.

O problema não é a televisão, mas toda a mídia e todo o jornalismo. A televisão não divulga a verdade, mas sim um aspecto dela. Acaba sendo parcial sim, divulgando informações que defendam os interesses da emissora de TV ou rádio, do conselho diretor ou do patrocinador. O governo tem parcela nisso, afinal, quando a mídia resolve apoiar ou ir contra ele, aí dá pano pra manga.

Isso não acontece só no Brasil, não vou falar que o brasileiro é estúpido, mas todo mundo o é de verdade. O ser humano parece um amontoado de parasitas nas costas de um caramujo seguindo para onde a massa flácida, gorda e gosmenta vai.

Neste final de semana tivemos um exemplo muito próximo disso. A mídia resolveu fazer um auê danado sobre uns problemas com “skin heads” que ocorreram na região dos Jardins, entre a Rebouças e a Consolação. Segundo a imprensa e testemunhas a culpa foi dos “carecas”, mas os fatos são bem diferentes do que a imprensa divulgou a sete ventos. O Terra, UOL, Folha e a Globo resolveram fazer a barulheira, um dramalhão repetitivo com relação a agressão aos “homossexuais e simpatizantes” na rua.

A verdade é um pouco mais dura, porque eles agrediram sim as pessoas que estavam na Alameda Itu, fizeram isso com outras pessoas na Rua da Consolação, mas os fatos estavam todos misturados, exagerados e localizados de forma errada. Em uma matéria no Terra se dizia que haviam retirado as pessoas de um bar na esquina da Itu com a Consolação, mentira, pois o que tem lá é o Omalley’s, o lugar mais hetero do mundo (principalmente porque é onde os gringos e “branquelos” se encontram, pois é um pub IRLÂNDES, sabiam?). Essa foi só uma das besteiras, porque a pessoa que morreu no final de semana lá foi esfaqueada e estava na calçada, no meio da muvuca e, até onde eu sei, não era “uma bicha”, mas um punk que estava pelos arredores e havia mexido anteriormente com as figuras que passaram “tocando o terror” por lá, ou seja, pegaram ele de verdade porque ele motivou a agressão com aquela dureza.

Sabem de outra coisa que a mídia não falou pra vocês? Que a rua estava cheia de gente nas duas noites que passaram por lá e ninguém, absolutamente ninguém fez nada para impedir a violência. O número de pessoas na rua era bem maior do que o volume de agressores e não houve esboço de reação alguma, ah, na verdade houve sim, todo mundo correu para todos os lados. Como as pessoas vão exigir serem respeitadas se não defendem quem está precisando, mas o pior é que vai cada um por si e que se foda o outro que está sendo estourado a base de chutes. Sim, é isso que acontece e a imprensa não fala nada a respeito, afinal, se defender é crime, não é mesmo? Ops, na verdade, não é!

5. Ah, estou com preguiça de ler tudo isso

Se você chegou até aqui este não é o seu problema, mas é o da maioria das pessoas. Ninguém lê nada, ninguém para dez minutos que seja para ler um texto que fale sobre qualquer coisa relevante. Todos vivem em uma cultura de “ligeirezas”, pois frases com mais de cinco palavras ou que levem mais de dez segundos para se absorver são muito. É uma cultura de fast-food, onde as pessoas estão acostumadas a absorver a informação dos comerciais de TV, outdoors e afins, mas não conseguem absorver informação relevante. Todo mundo sabe o novo slogan da Coca-Cola ou do Mac Donalds, mas ninguém se interessa de fato para saber o nome do Vice-Presidente, Vice-Governador ou Vice-Prefeito, mesmo quando os Vices acabam governando no lugar dos titulares diversas vezes e, mesmo que você não tenha votado nele, quando elegeu seu candidato colocou aquele outro cara que você não confia muito junto (aliás, nessas horas você tem que ter em mente também o “conte-me com quem andas que eu te direis quem é”).

Ninguém quer ler nada pois não tem interesse, é mais fácil receber idéias digeridas do que pensar por conta, é mais fácil ser liderado que tomar suas decisões e é mais fácil deixar que tudo acabe em merda pois não é você que vai ter que limpar depois - bem, não em um primeiro momento, mas quem aguenta o mau cheiro é SIM você.