10.4.10

Peso a dedos

Cansei um pouco de tantos sonhos não realizados. Tudo bem, o não realizado não é o que me cansou, porque se não o fiz é porque estava com preguiça ou sem vontade. Pois digo então: cansei dos sonhos. Mas como um sonhador faz isso? Só sonhá-los em excesso, vos respondo. Simples como é a falta de interesse perdida entre os amantes ou o amor amargo de travesseiro desenvolvido pelos casados.

Namorei demais meus sonhos e eles se tornaram chatos, tem chulé e deixam a tampa a privada levantada (ou abaixada, essa é uma discussão eterna que deveria ser estudo de tese de mestrado).

O que importa, de verdade, é que a barba dos meus sonhos me pinica, portanto, quero-os mais lisos – assim eles fogem de mim como sabonete molhado em chão de azulejo.

Então ocuparei meu tempo com menos sonhos. Terei então mais realizações? Talvez não, a vida agora precisa de novos ares, porque estou sem ar algum. Uma respiração profunda se faz entre essas linhas.

Ouço lá no fundo um:

- Teve um pesadelo, por isso acordou em prantos?

A resposta me assusta, porque na verdade não tive sonho algum.

Sim, pesadelos são sonhos, e notem como lembramos muito mais dos pesadelos sonhados do que dos sonhos bons repetidos.

É a mecânica do ruim, tudo o que ruim é ignorado, mas a sensações ruins ficam marcadas lá no fundo e aprendemos a guardá-las como uma força sem igual. Se você não lembra daquele porre horrível de conhaque barato, basta sentir o cheiro da bebida que o seu fígado faz o serviço por você – assim é com os sonhos, basta uma memória de leve que você se revira todo por dentro, contorcendo-se como minhoca no sol.

Portanto, evitarei os sonhos, os pesadelos e o conhaque ruim.

Eugênia

Percebo as suas vestes
A quilômetros do agora
Em um país distante
Nada concreto na demora.

O sorriso de canto vibra
Em um tom baixo que toca
A pele desvairada e travessa
No instante vago da aurora.

Talvez os olhos se percam
Entre as cores do espectro
Das possibilidades distantes
E das verdades ausentes,
Mas eles brilham verdes
Nem que de outra cor sejam.

É mentira bem ensaiada
Contada a nós mesmos por anos
E sabemos, num estalo pulsante,
Que a verdade não é presente
Dado a quem realmente amamos.