18.5.06

O protesto sobre a morte da bezerra

Acho muito tocante as pessoas se importarem com os “direitos dos animais” e também com a crueldade dos caçadores de pele, afinal, coitada das focas do Ártico que sofrem com a extração de sua pele somente. Coitadas também das vaquinhas, que ao invés de pastarem livres por aí em um tipo de idolatria sacra, como ocorre na Índia, viram bifes e vão pro prato.

Tudo bem, vou parar com ironias. Falando sério mesmo, eu acho um absurdo sim quando matam animais para alimentar o comércio de peles e não usam o resto todo, não se aproveita mais nada e as carcaças são deixadas lá apodrecendo ao ar livre, tal como fizeram e fazem com os elefantes na África e com um tanto de outros animais. Também respeito a opção dos vegans e outras variantes de vegetarianos que decidiram parar de comer carne ou derivados por um motivo qualquer, afinal, é livre ao ser humano decidir o que quer fazer.

Acho muito válidos os protestos feitos por essas pessoas, afinal, alguém tem que se preocupar com alguns problemas que a maioria nem liga, senão muita porcaria acontecesse, mas porque diabos eles gastam a vida lutando para que as vaquinhas não morram e não movem um dedinho sequer para protestar para algo que realmente valha a pena? Por que não protestam pela educação? Se essa galera que não come carne acha que realmente está errado comer carne e maltratar os bichinhos, então porque não possibilitam que outras pessoas o saibam também? Não, não adianta educar falando sobre o consumo de carne ou vegetais, mas sim educar para que as pessoas possam pensar e chegar a sua próprias conclusões!

É super bonito fechar o trânsito e arrumar abaixo-assinado para acabar com a farra do boi, não é? Também é super legal fazer com que os rodeios parem, afinal, eu não gostaria de um maluco sentado nas minhas costas e socando a espora na minha anca. Só que eu poderia estar arrumando assinaturas para coisas relevantes, coisas que realmente fizessem as pessoas se transformarem em cidadãos pensantes.

Direciono isso para os vegetarianos e “revoltados de grama1”: se vocês acham que seu ponto de vista está tão certo e que as pessoas não são tão esclarecidas quanto vocês, então porque não levar conhecimento para a população? Se ser inteligente é não comer carne e lutar pelo direito dos animais ou pela ecologia, então vai ser natural que todo mundo se importe com isso também, não é mesmo!

Sei que muitos dos defensores dessas “futilidades” vão dizer que o ser humano “não presta” e usar argumentos derivados a visão apocalíptica e semi-darwiniana do auto-extermínio, que o ser humano não merece consideração, que ele é cruel por natureza e outro monte de coisas que sacam das mangas para justificar uma frustração ideológica. Não adianta utilizar essa fórmula, pelo menos não contra mim, pois eu acredito em tudo o que falam sobre o ser humano, mas acredito que as pessoas só são cruéis porque lhes é permitido fazê-lo e a grande maioria o é por conta da ignorância.

Não estou ironizando aqui, estou falando sério. Quando criamos pessoas com consciência podemos exigir delas postura quanto a assuntos de menor relevância? Tá, não quis dizer que são frivolidades os direitos dos animais e nem quero ouvir aquele discurso todo que eu já conheço sobre a igualdade dos animais, que eles também tem direito a nosso planeta e toda aquela retórica ecológica, acredito em muito dela, mas acho que o ser humano deveria ser educado em primeiro lugar para que soubesse seu papel no mundo e na sociedade.

Não adianta você criar um monte de preenchedores de formulários e de gabaritos, não adianta fazer com as pessoas apenas aprendam a escrever e não adianta também utilizar os métodos dos políticos que é o de fazer “propaganda” sem que o outro lado esteja pronto a receber ou processar qualquer tipo de mensagem. É necessário que sejam criados agentes da transformação e que as pessoas possam por si só acordarem para o que é certo ou errado, mas para isso é necessário que elas tenham meios para fazer essa análise.

Acredito que protestar contra o consumo de carne, exigir que o alimento orgânico seja prioridade, para que os transgênicos sejam retirados de nossas plantações, que parem de matar o papagaio do rabo rosa ou mico-leão-anão-de-bolsa-bege é perda de tempo. É o mesmo que fazer um protesto pela paz.

Não adianta mostrar a comoção popular para um assunto quando os assuntos realmente relevantes e que poderiam criar mais pessoas contestadoras não são tratados com seriedade. Reforço que acho super legal a movimentação para esses “protestos”, mas acredito que a preocupação deveria ser com o processo de educação e o acesso a informação igualitária.

Nosso país é formado por analfabetos funcionais que não conseguem discernir sobre certo e errado quando lêem um texto, não conseguem compreender os abusos de um governo que exigem mais deveres do que dá benefícios. Além disso, a população desconhece os seus direitos básicos, desconhece a Constituição e o Código Civil, não sabe o que lhe é garantido pelos Direitos Humanos e também não consegue entender o que está escrito em qualquer um desses documentos. Nossos cidadãos não sabem nada disso e duvido que a maioria das pessoas que estão lendo este texto também o saibam. Pensem e citem sem consulta apenas um direito garantido a vocês pela Constituição ou, melhor ainda, qualquer um dos direitos que está lá no estatuto dos Direitos Humanos.

Como você pode exigir que alguém então respeite o Direito dos Animais se não conhece os Direitos Humanos? Como você quer pedir por paz se as pessoas não sabem o que isso significa?

É preciso criar cidadãos, pessoas que saibam em que contexto estão inclusas. Também é necessário educar para que essas pessoas tenham sim direitos iguais a todo mundo: direito a informação, ao ensino e a inserção na sociedade.

Depois da educação, você pode então lutar por uma distribuição igualitária de renda, pela melhoria na saúde, pelos animais, pela não poluição das nossas reservas de água potável, pela preservação das espécies nativas, pela eliminação de atos cruéis contra os seres humanos E contra animais, pela geração de emprego em Itapopoca do Sul2 e por aí vai.

Quando você cria pessoas que tenham poder de questionar a sociedade e o seu papel no mundo, você cria pessoas que possam melhorar quaisquer dos assuntos discutidos em diversas mesas de bares pelo Brasil afora, sem contar que você leva as discussões para fora das mesas de bares e consegue que elas entrem nos palcos de ação, onde deviam estar inseridas desde o início para que as mudanças ocorressem de fato.

Pense sobre o assunto e veja que é muito fofinho pensar em você salvando um coelhinho felpudo de virar chapéu no inverno, mas pense que quando você cria pessoas que pensem terá mais gente se preocupando com o mesmo coelho e que pensar bonito não muda a nossa realidade.

Também tenha em mente que o governo não vai fazer nada para mudar essa realidade, pois quanto mais pessoas sem poder de raciocínio, mais gado para manipular para que os interesses do Estado sejam defendidos, ou melhor, para que os interessas da minoria que o Estado representa – as pessoas que tem dinheiro. Quanto mais gente burra, mais votos para os candidatos quando eles beijam crianças no colo e tiram o lixo das praias – e olha que ele só precisa fazer isso uma vez a cada quatro ou oito anos.


1“Revoltado de grama” no dicionário Poesístico, se refere às pessoas que ingressam em universidades públicas, sejam federais ou estaduais, e ficam o dia todo com a bunda sentada na grama, fumando seu cigarrinho, viajando na batatinha, vendo o mundo passar e resolvem, de tempos em tempos, tirar a bunda de lá para fazer protestos sobre assuntos que surgem durante as suas “introspecções”.

2“Itapopoca do Sul”, no dicionário Poesístico, se refere a qualquer cidade em qualquer canto do país, não importando quão longe ela esteja e nem mesmo o seu número de habitantes ou importância econômica.

16.5.06

O PCC, a TV e o frenesi popular

Não sei porque hoje me veio a mente uma história do século passado, quando os nossos queridos coleguinhas viciados em petróleo, os norte-americanos, passaram por um frenesi popular causado por um programa de rádio.

Tudo isso aconteceu em 30 de outubro de 1938, em um programa transmitido pela rádio CBS produzido pelo ator Orson Welles. No programa, Welles apresentou o texto “A Guerra dos Mundos”, do escritor inglês H. G. Wells, uma obra de ficção que descreve a invasão da Terra por um número altíssimo de naves marcianas. O texto original está em forma de narrativa, mas Welles resolveu apresentá-la no seu formato, simulando então as horas da invasão como notícias. A população entrou em um frenesi absurdo, desprevenida de que o conteúdo era ficcional, devido a uma combinação de fatores, mas o principal deles é no momento em que a dramatização teve inicio e o conteúdo foi apresentado como a obra de Wells, poucas pessoas ouviam o programa – neste horário todos estavam ouvindo um outro programa muito popular nos EUA. Vale lembrar que em 1938 o rádio era o único e primeiro meio de comunicação em massa que se utilizava do imediatismo da informação, podendo apresentar os fatos onde e no momento que eles ocorriam. Quase todos os americanos entraram em pânico, do interior até Nova Iorque.

Lembrei disso hoje cedo, enquanto ia para o trabalho. O ônibus estava vazio e as poucas vozes ouvidas eram da cobradora conversando com uma passageira e de umas outras duas pessoas que batiam papo sobre o que passamos nestes últimos dias.

Era evidente que a comoção popular foi imensa com relação aos fatos do final de semana e todos os policiais mortos, ônibus incendiados e meia dúzia de agências bancárias atacadas criou uma nova mitologia popular. Na verdade, tudo se transformou em uma história que pode ter um paralelo ao 11 de setembro. São histórias distintas, com números bem diferentes e dentro de um outro contexto, porém, a nossa segunda-feira, 15 de maio, foi semelhante aos dias que se seguiram ao dia do ataque às Torres Gêmeas, mas com uma pitadinha do programa do Welles.

Fomos cercados por boataria e todo mundo ficou sem saber o que fazer. Toda a população acreditava que os absurdos que aconteceram no final de semana estavam se repetindo. A televisão passava imagens do final de semana em um tipo de coletânea como se aquilo houvesse ocorrido naquele instante, não havia nada falando que eram imagens da sexta-feira e do sábado. Exibiam-se imagens de sangue em viaturas policiais, sangue nas ruas, delegacias com buracos de bala, bonés da PM com perfurados e ensaguentados, granadas nas ruas e todas as imagens que podiam causar impacto. As emissoras buscavam aumentar a audiência e resumir a história toda. Pela Bandeirantes, pela Record, pela Rede TV, pelo SBT e pela Globo eram vistas as imagens do final de semana – todo o estado de São Paulo era bombardeado pelas informações como se aquilo estivesse acontecendo ainda. Só que ninguém mostrava que aquilo havia acontecido e também não noticiavam de fato o motivo do caos urbano da segunda-feira pós ataques contra policiais.

O problema era mais simples e não estava sendo causado pelo PCC e nem mesmo por tiroteios, nem mesmo pela policia que caçava os seus agressores. O que causou o caos urbano foi a parada da frota de ônibus da cidade, que ficou quase toda na garagem. O motivo? No dia anterior até a madrugada da segunda, os mesmos bandidos que atacaram policias e delegacias resolveram levar o caos para que os civis sentissem na pele o seu poder. Não houve baixa civil alguma, mas eles incendiaram quase 60 ônibus e aproveitaram-se de outros criminosos aproveitadores que copiaram as atitudes do PCC para poder “ganhar moral” no mundo do crime, uns copycats de merda que acharam a oportunidade certa para falarem por aí “eu sou do PCC”, mesmo que nem saiba o que a sigla significa.

As empresas de ônibus ficaram assustadas e decidiram não levar a sua frota para as ruas, com medo de mais prejuízos e querendo que o Estado tomasse providências para preservar o seu patrimônio. Então, com os ônibus na garagem sem um aviso prévio a população ficou como se locomover na cidade. Aí então o caos se espalhou, como acontece em São Paulo toda a vez que os ônibus ou os trens resolvem parar. Ninguém conseguia ir para lugar algum, mas o agravante foi que a televisão, rádios e afins mostravam a população uma outra verdade: associavam aos atentados do final de semana a zona toda da segunda-feira. Não era de todo mentira que a causa foram os problemas do final de semana, mas a causa direta eram os ônibus parados – criou-se o

Digo que isso foi histeria popular, puro frenesi causado pelo tratamento sensacionalista que quase toda a mídia deu ao problema. Se não é frenesi popular, então porque Sorocaba, minha cidade natal, foi atingida pelo mesmo caos de São Paulo? Só que o de lá foi diferente, todo sorocabano queria ter uma notícia sobre o que estava acontecendo e fazer parte do drama que via na televisão. Os números de Sorocaba são bem inferiores ao de São Paulo, mesmo que por lá também tenham atirado contra policiais e delegacias, mas se foram 5 os atingidos já é exagero. Ah, sim, queimaram UM ônibus lá, mas continuo a acreditar que foi um bandidinho, desses ladrões de galinhas copiadores que aproveitaram para mostrar o quanto são malvados. Os quase 700 mil sorocabanos acharam que estavam no meio do fogo cruzado também! Minha mãe me ligou, amigos me ligaram, minha irmã mandou e-mail e por aí foi! Todo mundo em pânico, assustado e achando que estavam atirando contra as casas, contra os bancos e contra tudo o mais! E lá se foi o pessoal voltando para casa mais cedo, não indo para a aula a noite e tudo o mais. Entramos no terror causado pela mídia, todo mundo com medo de algo que não estava acontecendo perto!

Foi como o medo de bombardearem o país na Segunda Grande Guerra, que minha avó contava que todos sentiram, mesmo que a guerra estivesse em outro continente e que o Brasil nem passasse perto de ser uma nação agressora ao Eixo (o nome da aliança entre Alemanha, Itália, Japão e paisecos que apoianhavam Hitler).

A mídia fez um papel ambíguo, oras esclarecendo, oras cagando tudo. Como sempre, os prêmios para “gerador de pânico” devem ir para Record, Bandeirantes e RedeTV, afinal, sem eles não saberíamos de opiniões super relevantes, como as do apresentador Datena.

E eu sou obrigado a ouvir ainda de gente esclarecida que o ontem a cidade estava uma merda mesmo, que ontem havia o perigo, que ontem havia o medo e que imprensa fez o papel dela. Não é a notícia ou o fato que importa, mas sim a maneira como ele é exibido.

O sentimento gerado foi potencializado e aumentado, ontem a cidade estava segura? Podia estar, mas o paulistano não iria sentir isso, afinal, ainda era recente o sentimento de impotência e tudo aquilo parecia estar agindo na mente. Adrenalina disparada pelo medo. Só que a mídia tratou o assunto de forma recursiva, voltava ao mesmo ponto como se tudo estivesse ocorrendo ainda, filmava carros de polícia em blitz pela cidade e tentavam pegar furos de reportagem. Falavam que haviam atirado contra policiais em algum lugar, que haviam prendido não-sei-quem em não-sei-onde e tudo foi aumentando, como se todos os crimes que ocorressem na cidade fossem pensados e tramados pelo PCC, como se tudo fosse interligado.

Ao invés de acalmar a população, de esclarecer os fatos, a mídia lutou para produzir o melhor show, explicar da melhor forma como tudo aconteceu e ficar batendo na mesma tecla, como se ontem ainda estivessem ocorrendo agressões sérias contra a força policial e como se tudo fosse gerado pela insurreição dos criminosos.

Em um passe mágica a mídia se tornou mais uma vez a causadora de mais mal entendidos do que esclarecimentos, armando o seu circo como fez em 1992, quando invadiram o Pavilhão 9 do Carandiru e meteram bala em todos os presos. Só que foi mais divertido, afinal, bancar o Welles é mais interessante que bancar Deus, pois com informação você define se Deus existe ou não, podendo até inventar novos deuses!

Se não foi excessiva a postura da mídia me expliquem porque diabos os sorocabanos ficaram preocupados! Por que lá em Itapopoca do Sul as pessoas achavam que iam levar bala? Por que os celulares caíram na segunda? Por que isso não aconteceu no sábado? No domingo? Eu não recebi ligação alguma no final de semana para saber se estava tudo bem, a não ser da mãe da minha noiva porque havíamos pego estrada para ir a uma festa no sábado a noite.

O sentimento gerado ontem é culpa sim de uma ação criminosa que tirou os ônibus das ruas, mas o caos urbano foi causado pela retirada dos ônibus e não pela continuidade dos atos de sexta e sábado, mas tudo isso foi potencializado, mais uma vez, por nossa querida mídia e provou-se mais uma vez que a mídia impressa ainda é a mais confiável, juntamente com os jornais sérios que tem seu material na Internet – televisão e rádio ganharam mais pontos em sua capacidade de aterrorizar mais e esclarecer menos, já que perderam ótimas oportunidades de tranquilizarem a população ao invés de gerar pânico em massa.

Agora vamos esperar, porque vai ter um monte de psiquiatra e psicólogo feliz porque aumentaram as crises de pânico. E dá-lhe Maracujina e Vitassae na galera!