7.1.10

Perdida

Leio o contrário,
Como um estilhaço de bala:

Pode parecer torto,
pouco ou quase nada,
mas vale mais que o tempo
perdido de mãos atadas.

Toda vez que uma linha sai
Outra urge ao contrário
E nos nós de tantos cizais
Moro em teu imaginário.

Leio para vocês
um pedaço da minha alma.

A mentira

Havia na rua um traço
Riscado forte de perfume barato.

As vozes eram uníssonas
Em sua cacofonia das horas,
Enquanto eu procurava a rua
Para fazer em mim dez mil demoras.

Não sabia se era a fome
Ou apenas a gula que vinha ao prato.

Você veio de leve
E me puxou pela cintura,
Os joelhos tremeram
Ao sentir sua textura.

Não via o chão que me guiava,
Mas aceitava o caminho dado.
Você era a minha musa
E o meu destino selado.

Havia na rua um traço
Riscado forte de sangue coagulado.

As vozes, tantas delas caladas,
Mudaram para a valsa das seis:
As ruas transbordavam alagadas,
Os valetes se fantasiavam de reis.

6.1.10

A espera.

Ele.

A distância nunca foi algo que o incomodou de verdade, já teve namoradas que moravam em outras cidades e algumas que saíram do país por períodos até que longos (para ele, uma semana eram décadas). Também nunca se estranhou muito com essa coisa de ciume, sempre foi uma pessoa calma que não ligava para as horas que seus amores passavam com outros amores – sim, porque amigos, colegas de trabalho, hobbies, vibradores e tortas de chocolate são tipos de amores.

Tudo isso o pintava como uma pessoa bem resolvida. Todos o achavam, por isso, um tanto frio e distante dos valores comuns. Nunca se preocupou em ser sensível, isso era coisa pra bichinha ou pra esses eminhos que pintavam os olhos – o que diriam seus amigos que ouviam rock cafajeste se ele fosse diferente?

Nunca o viram chorar, só quando o Bruce Willis pulou do prédio em Duro de Matar. Ah, aquilo sim foi a emoção da sua vida.

Bom, isso é o que ele pensava até agora, segurando o retrato de Tereza nas mãos. Nunca foi de imprimir fotos, nem mesmo de guardar momentos, pois sempre achou que isso o deixava fraco, mas lá estava uma foto impressa em Epson LX 310. Jamais ostentou a sua sensibilidade, mas ele era sim um emozinho, mas não pintava os olhos. Sempre guardou seu lado cafona dos outros – ninguém nunca procuraria naquela pasta de seu computador, que sabiamente nomeou de “workstuff”, por músicas dos Hanson, Back Street Boys, The Cure e Brian Adams.

A coceirinha da saudade o deixava estranho com ele mesmo, mas nunca amou Tereza. Bom, pelo menos não do jeito que os outros homens pensam que é amor. Nunca foi com ela para a cama. Sim, foi, uma ou duas vezes, mas nunca fez sexo, porque bastava o calor dos dois corpos para eles se sentirem bem.

Não conseguia imaginar porque agora, depois de tantos anos, Tereza era uma imagem tão sólida em sua mente. Podia sentir o cheiro dela pela casa, podia escutar os seus passos felinos e ouvir a sua voz rouca. Empolgava-se em pensar nos mil planos que ela estaria fazendo ali com ele, sentados os dois de pijamas feitos com roupas velhas de colegial e com os dedos sujos de aprontar alguma arte bem tosca que chamariam de “prova de conceito”.

Ah, lá estava o sorriso bobo de adolescente em sua face, só de imaginar que aquilo viraria música. Sentia que podia compor mais alguma daquelas suas obras primas que falavam coisas bonitas como “cachaça é água benta para os francos”. Mas só imaginava a continuidade com um solo bem chinfrim de violão – daqueles que deixariam o Guns com inveja.

Não adiantava, Tereza fazia suas voltas e revoltas sem mesmo estar presente. E não era porque ela queria essa distância, ela aconteceu, mas foi nessa distância que os dois se aproximaram.

Ela.

Nada como um bom café em São Paulo. Mateus já não mandava e-mails de Seatle faziam semanas. Ela se sentia estranha. Nunca desejou tanto palavrinhas escritas pela Internet. Ela sabia muito bem que no final, ele mandaria alguma bobeirinha e terminaria com uma piada das mais bestas possíveis, sugerindo que estava pegando todas por lá.

Bem pudera, com aqueles cabelos encaracolados e aqueles olhos cor de mel, qualquer gringa cairia fácil nos braços não-tão-fortes-assim-mas-saborosos dele.

Dois retoques na maquiagem aqui, uma arrumada nos cabelos loiros ali, ela se contorceu na cadeira esperando alguma cantada do grupo de meninos do outro lado. Enquanto isso, várias mensagens de textos para os amigos e a continuidade na leitura de seu livro sobre design emocional.

No seu MP3 player, um pouco de electro francês e um pouco da raiva de não poder acender a porra de um cigarro em locais fechados – os cafés de São Paulo deixaram tanto de parecerem cosmopolitas, ou será que o mundo cosmopolita ficou corretamente politizado?

Vários pensamentos, projetos e planos, no turbilhão de seus peitinhos duros. Ela olhava para si mesma e sentia a falta de alguma coisa que não sabia bem – havia esquecido algum acessório ou o algum detalhe do pedido ao garçom?

Acessou a internet pelo celular esperando um e-mail de Mateus, olhando a sua volta e dando um dos seus tão particulares nozinhos nos cabelos. Sorriu, não havia nada, só uma esperança.

Eles.

Não se encontraram nos próximos meses, nem Tereza e nem Mateus. Quando se viram, deram um abraço sem jeito, não falaram dos pequenos e-mails trocados, das piadas prontas, dos projetos e nem de tanta coisa que os tempestuou por tanto tempo.

Sentaram-se de mãos dadas em um banco do parque Trianon e lá trocaram olhares. Eram duas crianças que não sabiam bem o que dizer. Não realizaram nem metade das saudades que tiveram, nem dos desejos, nem dos sonhos e nem dos planos – apenas se olharam.

Compartilharam a intimidade do silêncio e, depois de algumas horas, deram um abraço demorado, um beijo no rosto bem caloroso. Em uma escorregadinha de canto da boca tocaram os lábios. E só.

Despediram-se e se viram três meses depois, fizeram o mesmo rito. E isso se repetiu por anos.

Hoje, os dois tem filhos. Marido e esposa que não são eles e o maior tesouro em seu peito ainda está guardado. Todas as vezes que se encontram no passar dos anos dão o mesmo beijo de canto da boca e esperam que o sublime seja realizado.

Envelhecem sem envelhecer a si mesmos.

Dedicado a todos aqueles que, na felicidade da ausência, esperam.

Quarta-feira, 6 de janeiro de 2010 – 4h13 da manhã

4.1.10

Primeiras vezes

Desci do ônibus em minha cidade natal, do tão famoso "Cometão", ao lado do terminal municipal de ônibus. Sorocaba é uma dessas cidades que tem uma infra-estrutura bem particular de transporte, nada muito grandioso, mas que funciona bem. Coloquei a mala aos meus pés e fiquei a esperar o ônibus que me levaria até a casa dos meus pais.

Comecei a observar as coisas que estavam a minha volta, como é de minha natureza curiosa, e fixei a atenção em um casal de adolescentes. Os dois não deviam ter mais do que quinze anos. Idade fantástica, onde o fantástico está em não saber de muita coisa e mesmo assim ter o melhor que o mundo lhe dá: as primeiras vezes.

Trocavam carícias, beijos e olhares, como se o mundo inteiro estivesse resumido lá entre os dois.

Assumo: invejei-os do fundo do meu coração, com aquele amargor maldito que só a malícia nos dá. O amor, quando não se tem tanta bagagem emocional, é a coisa mais bonita do universo e é um universo por si só.

Como seria se eu apagasse todas as mágoas? Todos os encontros tristes? Todos os sorrisos dados? Todas as vezes que fui pra cama com alguém?

Resgataria eu a pureza das primeiras vezes? Trocaria todas as boas memórias - e as ruins - para poder errar de novo, mas que fosse, com certeza, sempre pela primeira vez.

Isso é algo que o tempo nos dá, seja em uma vida acelerada ou na maior calmaria possível. O gosto daquela comida especial muda com o passar dos anos - e como isso é triste.

Voltei a observá-los no meio dos meus devaneios, estavam os dois bem entrelaçados nessa viagem entre saudosismo e reflexão: ambos deixaram-se perder o seu ônibus. Deixaram-se ficar juntos por mais alguns minutos. Talvez eles nem se amem e seja apenas um "ficar por hoje", mas eu não me importo.

Sorrio lembrando quando fazia o mesmo: deixar-me perder o ônibus para ficar abraçado com minha primeira namorada esperando o próximo. Dez minutos eram uma vida condensada, sensações maravilhosas e que nunca vou me esquecer. Lembrei também que o fazia por namoradas ou por algum rolinho, mas eu me permitia fazer isso e me sentir pleno, vivendo aquela primeira vez.

O experimentar é saudoso, fica apenas o desejo de provar o pavê da sua avó com o mesmo gosto que tinha quando você não marcava no odômetro mais do que seis anos corridos.

Resta a nós, que trazemos tantas bandagens sujas, tantos vícios de resposta e tantos medos infundados, ficarmos pasmos quando observamos os que ainda se soltam de verdade em seus primeiros voos.

Creio que, se todos agíssemos como pássaros novos e não ligássemos para as fraturas, seríamos pessoas mais felizes.

Espero o meu ônibus com o desejo mais profundo de novas primeiras vezes.

19/12/2009

Fade out

Descobri algo bonito, singelo e de interesse único: não preciso compartilhar, porque é bonito só quando guardado, como aquele segredinho besta que não faz sentido para ninguém mais. Talvez seja a revolução acelerada dos não-Seres e dos não-Estares.

Sinto um rodopio macio e ligeiro, que deixa a minha cabeça meio tonta. É só mais uma paixão pelo acaso e sem alvo especifico, um brilho rápido e fulgaz que mostra que algo pode nascer nessa terra devastada.

Dizem os especialistas que o terreno após uma queimada é mais fértil do que outrora, reciclagem de nutrientes e de sonhos.

"Sou feito de matéria, / Da cinza dos elementos /, Sou como a folha / Com quem brincam os ventos." - Carmina Burana, Orff