7.12.09

Carta ao meu amigo imaginário

Chega um momento em nossa vida que achamos que não vamos conseguir suportar as coisas, que olhamos a nossa volta e só vemos obstáculos, que pessoas tentam tomar o que lhe é mais sagrado (isso de sagrado é meio falho, lembrem-se dos dogmas) e que você se defende com unhas e dentes dando cotoveladas para todos os lados, desesperadamente tentando manter protegido aquele pequeno tesouro que você tem em seus braços.

Neste processo você acaba acertando gratuitamente algumas pessoas que não querem lhe tomar nada, que vieram apenas lhe dar um tapinha no ombro para, honestamente, saber como você está. É como o pai, que na fúria por defender sua casa, acaba acertando um tapa perdido no rosto de seu filho.

Só que não há descanso nessa luta, quando você pensa que tudo está se ajeitando, os corvos voltam a bicar o seu fígado. Eterno dia-a-dia de Prometeu. Não, não estou me comparando ao herói grego que deu o fogo aos homens e foi castigado por isso – longe de mim, não sou herói e nunca dei nada a humanidade que valesse sequer uma lamparina.

O que posso pedir é perdão ao amigo que empurrei para longe, quando na verdade queria espantar apenas os corvos que me assolavam. Arrancaram-me os olhos e tudo o que tenho em minha vista é uma mancha perdida, pintada de sombras e vozes misturadas em uma cacofonia sem fim.

E nesses momentos, meu caros é quando percebemos que não estamos sós e que mesmo na adversidade podemos ser melhores do que somos na ventura. Isso é uma retórica velha, usada há mais anos que lítero qualquer possa contar, pois é nessas horas de drama e spleen composto que surgimos a filosofar sobre o que somos, quem somos e para que somos.

Desculpe-me amigo, não fiz por mal, um dia talvez eu o faça, mas não foi hoje que cortei suas pernas e o coloquei ao sol. Desculpe-me novamente e prometo não me fazer mal no processo, vou deixar esse encargo doentio aqueles que se vangloriam com tal labuta.

Fico aqui, esperando um abraço teu, mas venha cauteloso, porque cauteloso serei a aceitar como de amigos os passos que escuto ao seu aproximar.

Poe B.

Contingência contida


Os mimos que eu tenho não são meus. Talvez porque o que me tenha seja a possessividade absurda do que sou eu. Sendo mais objetivo, creio que em meu mundinho de idéias e sonhos, seja eu um Imperador do Etéreo – por isso, o que importa é o reflexo, é o que eu sou aos meus olhos, essa criatura que ao espelho se parece tanto com uma mulher.

Não, isto não é minha sexualidade dando ares de dúvida e nem uma auto-afirmação de saída de armário. É complexo mostrar ao mundo o que vejo sendo eu e como isso se reflete nas causas da minha perdição. Encontrar-me no presente é uma busca eterna, uma missão épica em busca do destino glorioso – todo clássico herói só se acha depois que se perde e é tentado por forças irremovíveis, onipresentes e onipotentes (mas eu não sou um herói clássico, estou mais para antítese do anti-herói moderno).

Digo sempre: “Vou te mostrar o meu lado mais bonito, mas por favor, manuseio-o com luvas e, somente se, tiver estômago para lidar com vísceras”. Então, de forma clara e verdadeira, as pessoas torcem o nariz e acham que é mais uma tentativa de atrair os corvos e espantar os lavradores.

Essas minhas medidas não são assim tão óbvias.

O que espero, no fundo do meu coração, é que eu me faça entender e me compreenda, que no futuro eu tenha significado mais do que ser um abrigo. Normalmente funciono como choupana, nas tempestades mais fortes verto água, mas protejo contra as intempéries de forma razoável – na hora que as coisas melhoram, fico lá, no meu lugar à sombra da montanha, esperando um dia ser abrigo outra vez; cada vez mais aos pedaços, mas cada vez mais parte do cenário que me rodeia, mais bonito e mais uniforme.

É bonito usar de metáforas para sentir o mundo à sua volta. Gosto disso, como usar um agasalho fino em dia de garoa. Por isso me entendo e nas entrelinhas de meu cotidiano fica uma alerta a mim mesmo – sou filho do ocaso, minha beleza reside sempre no partir.