27.7.07

No Fly Day é protesto da moda

A bola da vez é fazer o protesto, sair pelas ruas e pintar a cara. Vamos fazer o No Fly Day, ninguém vai pegar avião em um dia. Todo mundo em casa. Ninguém vai pegar um jatinho pra ir em reunião ou viajar para o Caribe. Todos em casa.

Morreram mais de 200 pessoas no acidente com o avião da TAM e foram tirados mais de 220 sacolas com restos mortais do local. Não se sabe ao certo de números de vítimas, pois o acidente se mescla com os desaparecidos que essa megalópole cria. No meio desses números e incertezas começam as especulações, elevam-se as iras e gente que não está envolvida diretamente com a dor das vítimas se solidariza e compra o pacote de indignação – quando na verdade, o problema de fato não é Congonhas, o problema não é a TAM e o problema também não é a crise aérea, o buraco é mais embaixo e está ligado em uma infra-estrutura genérica de transportes brasileira. Mesmo assim, vamos reclamar, vamos gritar, vamos protestar.

Oras, não é assim depois de uma grande explosão de violência? Na época do Carandiru era moda sair às ruas e gritar em prol dos direitos humanos dos presos, na época do Collor era sair gritando “impeachment já”, lá em 84 foram as diretas e logo depois da explosão de violência urbana em São Paulo deflagrada pelo PCC era pedir por paz.

Agora, qual foi o real resultado de todos esses protestos? Os direitos humanos passam a cabeça nas mãos dos presos e não se faz nada para mudar o sistema carcerário, penal e judicial brasileiro para que a palavra justiça seja colocada na frente da palavra arbitrarismo; o Collor saiu da presidência mas hoje é Senador, além de que a corrupção não diminuiu e só nos últimos escândalos envolvendo políticos e pessoal do ministério público o dinheiro envolvido deu mais que umas cinco Dindas; as diretas vieram, mas o voto é obrigatório e é só olhar lá pra presidência, pro congresso, pra prefeitura e para nossa câmara de vereadores para ver que não mudou muita coisa, aliás, nem mesmo na televisão, afinal, agora nós temos censura novamente; as pessoas pediram por paz, mas o índice de criminalidade não diminuiu, o PCC agora vive dentro de sua quentinha, a comunicação entre lideres criminosos com suas quadrilhas fora dos presídios ainda é uma realidade e ninguém reclama do excesso de força usada pela Polícia e pelo Exército para dar um “sossega leão” nos criminosos do Rio de Janeiro até que o Pan acabe.

Então, para que protestar contra Congonhas? Porque é moda, está na TV, nas capas dos principais jornais, da Veja, da Superinteressante, nos principais portais – e tem até canal especial no Terra e no UOL. Tudo isso para alimentar a sede por assunto, para mostrar toda a versatilidade e cultura na hora do happy hour em um botequim na Av. Paulista (ou na Rua Augusta, dependendo da ocasião, dia e hora).

Então, por que não protestamos sobre o descaso das autoridades com a população no geral? Tem a educação falha e tem a saúde moribunda. Tem também a falência sistemática de TODOS os sistemas de transportes – ou vocês acham que o problema é só a aviação?

Não temos malha viária para carros, não temos alternativas de transporte público que sejam minimamente aceitáveis e também somos cobrados duas vezes para usar esses meios ditos como alternativos. Os carros não andam, a cidade não tem uma extensão aceitável de metrôs, os trens não atendem toda a população e ainda por cima cobram do paulistano R$ 2,30 para pegar um ônibus ou metrô, sendo que a responsabilidade de manter o transporte é do governo e a gente já paga imposto para isso – sabiam que na Argentina andar de ônibus fica algo próximo a R$ 0,47 (tarifa única) e o quilometro do táxi custa algo como R$ 2,30 (sim, aqueles caras que você adora tirar sarro quando perdem no futebol ou em qualquer outro esporte tem mais o que comemorar no cotidiano do que a gente).

O pior, não temos obras de verdade para melhorar a infra-estrutura viária da cidade – a menos que você ache que o “Buraco da Marta”, reformas em viadutos, a Linha Amarela(ada) do metrô e o Expresso Tiradentes façam diferença na cidade (quando na verdade não passam de manutenção básica).

E depois, vem o governo Lula falar que está sobrando dinheiro da união e os outros órgãos que nos governam falar que a arrecadação pública só aumenta.

Que maravilha, vamos então protestar para melhorar congonhas, quando os outros 10 milhões de paulistanos nem mesmo sabem o que significa esse tal de check-in.

Creio que precisemos de verdade é fazer um No Way Day, para ninguém sair de casa, nem mesmo comprar pizza por telefone, nem ir ao cinema, nem ao shopping e nem ao Parque do Ibirapuera. Temos é que fazer um dia de “Chega de palhaçada” e organizar uma greve geral ou até mesmo um dia sem sair de casa. Chorem empresas de ônibus, chorem impostos que não serão recolhidos e dinheiro que vai parar de circular. No Fly Day o caralho, se nem português a gente fala direito, como é que vamos gritar um protesto em inglês? Se nem o nome do ônibus algumas pessoas sabem direito – mas é que ônibus não cai do céu, nem mesmo tem caixa preta (no máximo tem um assalto e a coisa fica preta).

O modismo do protesto não permite que pensemos, aliás, nós pensamos? Só no que a mídia coloca na capa dos seus jornais.

Bah!

24.7.07

Sessão pipoca cerebral: Mais estranho que a ficção

Faz tempo que não verborrageio sobre cinema. Também faz tempo que não invento palavra nova e verborragiar é uma das bem feias! Tudo bem, é perdoável, afinal, minha cabeça não para de trabalhar pra digerir um filme que assisti ontem – uma das doces surpresas que me acontecem às vezes.

No começo do ano levei um tapa de um filme foda, com uma fotografia e direção de arte fantástica, chamado “A Passagem” (Stay, no original). O filme traz Ewan MacGregor e foi só por isso que me chamou a atenção no meio dos filmes que ninguém sequer chega perto na locadora. Ontem, levei um outro tapa, mas esse foi mais parecido com o que me deu “Uma simples formalidade”, com o Gérard Depardieu e Roman Polanski.

Tomei a garoa de São Paulo o dia inteiro e a noite não pude resistir a pegar filmes para assistir em casa durante a semana, afinal, depender da TV a cabo não dá mais. Aluguei vários títulos interessantes, entre eles “O último rei da Escócia”, mas o que me chamou a atenção foi um chamado “Mais estranho que a ficção”.

Fiz o mesmo que com “A Passagem”, olhei ele com calma, vi que o Dustin Hoffman estava no elenco e fiquei curioso – a final Will Ferrel é engraçado, mas a soma dos dois pareceu ser, no mínimo, inusitada. Minha atenção ficou ainda mais presa quando li a sinopse:

“Certa manhã Harold Crick (Will Ferrell), um funcionário da Receita Federal, passa a ouvir seus pensamentos como se fossem narrados por uma voz feminina. A voz narra não apenas suas idéias, mas também seus sentimentos e atos com grande precisão. Apenas Harold consegue ouvir esta voz, o que o faz ficar agoniado. Esta sensação aumenta ainda mais quando descobre pela voz que está prestes a morrer, o que o faz desesperadamente tentar descobrir quem está falando em sua cabeça e como impedir sua própria morte.”

Logo pensei que era alguma coisa entre uma comédia tipo “Click” e “O Show de Truman”, essas coisas que os comediantes fazem para tentar agradar mais do que as crianças e entrar para o eixo sci-fi cult. Como me enganei! Encontrei um filme sensível e, ouso eu comparar, ao filme “Muito além do jardim”, um dos filmes mais doloridos, gostosos e perturbadores que assisti em minha vida (com a atuação mais que brilhante do Petter Sellers)

Sem contar este aspecto sensível, o filme tem uma direção fantástica e uma estética mais que perfeita para representar o dia-a-dia repetitivo e sem gosto em que vivemos – talvez uma das formas mais certeiras que vi até hoje, modernizando a repetição de movimentos de “Tempos modernos” de Chaplin.

Em “Mais estranho...” eu acabei vendo o cotidiano e os questionamentos feitos em tantos livros, em tantos filmes. Fiquei perplexo em me ver bombardeado pelo imediatismo do respirar, do viver. Senti-me engolido como se tivesse lido ou assistido “Clube da Luta”, mas o estrago foi maior. Sabe aquela premissa médica que o maior estrago está onde a gente não pode ver? Então, foi mais ou menos isso. A mensagem do filme chegou de mansinho, penetrando bem fundo e quando percebi já tinha detonado muita coisa do meu dia-a-dia – foi reacendida aquela necessidade imediata de viver, respirar e de gostar cada dia mais das pequenas coisas, desde o ônibus lotado, aos ambulantes nas ruas e os pequenos momentos bobos que temos com quem gostamos.

Talvez o filme seja tão destruidor quanto Saint-Exúpery, quando escreveu em "O Pequeno Príncipe": “o essencial é invisível aos olhos”.

Nunca fiquei tão feliz em estar enganado sobre um filme.