16.5.06

O PCC, a TV e o frenesi popular

Não sei porque hoje me veio a mente uma história do século passado, quando os nossos queridos coleguinhas viciados em petróleo, os norte-americanos, passaram por um frenesi popular causado por um programa de rádio.

Tudo isso aconteceu em 30 de outubro de 1938, em um programa transmitido pela rádio CBS produzido pelo ator Orson Welles. No programa, Welles apresentou o texto “A Guerra dos Mundos”, do escritor inglês H. G. Wells, uma obra de ficção que descreve a invasão da Terra por um número altíssimo de naves marcianas. O texto original está em forma de narrativa, mas Welles resolveu apresentá-la no seu formato, simulando então as horas da invasão como notícias. A população entrou em um frenesi absurdo, desprevenida de que o conteúdo era ficcional, devido a uma combinação de fatores, mas o principal deles é no momento em que a dramatização teve inicio e o conteúdo foi apresentado como a obra de Wells, poucas pessoas ouviam o programa – neste horário todos estavam ouvindo um outro programa muito popular nos EUA. Vale lembrar que em 1938 o rádio era o único e primeiro meio de comunicação em massa que se utilizava do imediatismo da informação, podendo apresentar os fatos onde e no momento que eles ocorriam. Quase todos os americanos entraram em pânico, do interior até Nova Iorque.

Lembrei disso hoje cedo, enquanto ia para o trabalho. O ônibus estava vazio e as poucas vozes ouvidas eram da cobradora conversando com uma passageira e de umas outras duas pessoas que batiam papo sobre o que passamos nestes últimos dias.

Era evidente que a comoção popular foi imensa com relação aos fatos do final de semana e todos os policiais mortos, ônibus incendiados e meia dúzia de agências bancárias atacadas criou uma nova mitologia popular. Na verdade, tudo se transformou em uma história que pode ter um paralelo ao 11 de setembro. São histórias distintas, com números bem diferentes e dentro de um outro contexto, porém, a nossa segunda-feira, 15 de maio, foi semelhante aos dias que se seguiram ao dia do ataque às Torres Gêmeas, mas com uma pitadinha do programa do Welles.

Fomos cercados por boataria e todo mundo ficou sem saber o que fazer. Toda a população acreditava que os absurdos que aconteceram no final de semana estavam se repetindo. A televisão passava imagens do final de semana em um tipo de coletânea como se aquilo houvesse ocorrido naquele instante, não havia nada falando que eram imagens da sexta-feira e do sábado. Exibiam-se imagens de sangue em viaturas policiais, sangue nas ruas, delegacias com buracos de bala, bonés da PM com perfurados e ensaguentados, granadas nas ruas e todas as imagens que podiam causar impacto. As emissoras buscavam aumentar a audiência e resumir a história toda. Pela Bandeirantes, pela Record, pela Rede TV, pelo SBT e pela Globo eram vistas as imagens do final de semana – todo o estado de São Paulo era bombardeado pelas informações como se aquilo estivesse acontecendo ainda. Só que ninguém mostrava que aquilo havia acontecido e também não noticiavam de fato o motivo do caos urbano da segunda-feira pós ataques contra policiais.

O problema era mais simples e não estava sendo causado pelo PCC e nem mesmo por tiroteios, nem mesmo pela policia que caçava os seus agressores. O que causou o caos urbano foi a parada da frota de ônibus da cidade, que ficou quase toda na garagem. O motivo? No dia anterior até a madrugada da segunda, os mesmos bandidos que atacaram policias e delegacias resolveram levar o caos para que os civis sentissem na pele o seu poder. Não houve baixa civil alguma, mas eles incendiaram quase 60 ônibus e aproveitaram-se de outros criminosos aproveitadores que copiaram as atitudes do PCC para poder “ganhar moral” no mundo do crime, uns copycats de merda que acharam a oportunidade certa para falarem por aí “eu sou do PCC”, mesmo que nem saiba o que a sigla significa.

As empresas de ônibus ficaram assustadas e decidiram não levar a sua frota para as ruas, com medo de mais prejuízos e querendo que o Estado tomasse providências para preservar o seu patrimônio. Então, com os ônibus na garagem sem um aviso prévio a população ficou como se locomover na cidade. Aí então o caos se espalhou, como acontece em São Paulo toda a vez que os ônibus ou os trens resolvem parar. Ninguém conseguia ir para lugar algum, mas o agravante foi que a televisão, rádios e afins mostravam a população uma outra verdade: associavam aos atentados do final de semana a zona toda da segunda-feira. Não era de todo mentira que a causa foram os problemas do final de semana, mas a causa direta eram os ônibus parados – criou-se o

Digo que isso foi histeria popular, puro frenesi causado pelo tratamento sensacionalista que quase toda a mídia deu ao problema. Se não é frenesi popular, então porque Sorocaba, minha cidade natal, foi atingida pelo mesmo caos de São Paulo? Só que o de lá foi diferente, todo sorocabano queria ter uma notícia sobre o que estava acontecendo e fazer parte do drama que via na televisão. Os números de Sorocaba são bem inferiores ao de São Paulo, mesmo que por lá também tenham atirado contra policiais e delegacias, mas se foram 5 os atingidos já é exagero. Ah, sim, queimaram UM ônibus lá, mas continuo a acreditar que foi um bandidinho, desses ladrões de galinhas copiadores que aproveitaram para mostrar o quanto são malvados. Os quase 700 mil sorocabanos acharam que estavam no meio do fogo cruzado também! Minha mãe me ligou, amigos me ligaram, minha irmã mandou e-mail e por aí foi! Todo mundo em pânico, assustado e achando que estavam atirando contra as casas, contra os bancos e contra tudo o mais! E lá se foi o pessoal voltando para casa mais cedo, não indo para a aula a noite e tudo o mais. Entramos no terror causado pela mídia, todo mundo com medo de algo que não estava acontecendo perto!

Foi como o medo de bombardearem o país na Segunda Grande Guerra, que minha avó contava que todos sentiram, mesmo que a guerra estivesse em outro continente e que o Brasil nem passasse perto de ser uma nação agressora ao Eixo (o nome da aliança entre Alemanha, Itália, Japão e paisecos que apoianhavam Hitler).

A mídia fez um papel ambíguo, oras esclarecendo, oras cagando tudo. Como sempre, os prêmios para “gerador de pânico” devem ir para Record, Bandeirantes e RedeTV, afinal, sem eles não saberíamos de opiniões super relevantes, como as do apresentador Datena.

E eu sou obrigado a ouvir ainda de gente esclarecida que o ontem a cidade estava uma merda mesmo, que ontem havia o perigo, que ontem havia o medo e que imprensa fez o papel dela. Não é a notícia ou o fato que importa, mas sim a maneira como ele é exibido.

O sentimento gerado foi potencializado e aumentado, ontem a cidade estava segura? Podia estar, mas o paulistano não iria sentir isso, afinal, ainda era recente o sentimento de impotência e tudo aquilo parecia estar agindo na mente. Adrenalina disparada pelo medo. Só que a mídia tratou o assunto de forma recursiva, voltava ao mesmo ponto como se tudo estivesse ocorrendo ainda, filmava carros de polícia em blitz pela cidade e tentavam pegar furos de reportagem. Falavam que haviam atirado contra policiais em algum lugar, que haviam prendido não-sei-quem em não-sei-onde e tudo foi aumentando, como se todos os crimes que ocorressem na cidade fossem pensados e tramados pelo PCC, como se tudo fosse interligado.

Ao invés de acalmar a população, de esclarecer os fatos, a mídia lutou para produzir o melhor show, explicar da melhor forma como tudo aconteceu e ficar batendo na mesma tecla, como se ontem ainda estivessem ocorrendo agressões sérias contra a força policial e como se tudo fosse gerado pela insurreição dos criminosos.

Em um passe mágica a mídia se tornou mais uma vez a causadora de mais mal entendidos do que esclarecimentos, armando o seu circo como fez em 1992, quando invadiram o Pavilhão 9 do Carandiru e meteram bala em todos os presos. Só que foi mais divertido, afinal, bancar o Welles é mais interessante que bancar Deus, pois com informação você define se Deus existe ou não, podendo até inventar novos deuses!

Se não foi excessiva a postura da mídia me expliquem porque diabos os sorocabanos ficaram preocupados! Por que lá em Itapopoca do Sul as pessoas achavam que iam levar bala? Por que os celulares caíram na segunda? Por que isso não aconteceu no sábado? No domingo? Eu não recebi ligação alguma no final de semana para saber se estava tudo bem, a não ser da mãe da minha noiva porque havíamos pego estrada para ir a uma festa no sábado a noite.

O sentimento gerado ontem é culpa sim de uma ação criminosa que tirou os ônibus das ruas, mas o caos urbano foi causado pela retirada dos ônibus e não pela continuidade dos atos de sexta e sábado, mas tudo isso foi potencializado, mais uma vez, por nossa querida mídia e provou-se mais uma vez que a mídia impressa ainda é a mais confiável, juntamente com os jornais sérios que tem seu material na Internet – televisão e rádio ganharam mais pontos em sua capacidade de aterrorizar mais e esclarecer menos, já que perderam ótimas oportunidades de tranquilizarem a população ao invés de gerar pânico em massa.

Agora vamos esperar, porque vai ter um monte de psiquiatra e psicólogo feliz porque aumentaram as crises de pânico. E dá-lhe Maracujina e Vitassae na galera!

3 comentários:

Anónimo disse...

Mas é mto mais licrativo pras emissoras programas q gerem panico!!! As pessoas se trancam em casa e com isso mto mais ibope!!!

Patetico, mas infelizmente é a realidade q a maioria das pessoas!!! A tv passou ser fonte de verdade absoluta...

Anónimo disse...

Eu concordo quando disse que a TV deu um grau de periculosidade muito maior ao que realmente estava acontecendo e deixou todo mundo em pânico. O grande problema de ontem é que todos tinham que trabalhar e passar por postos policiais que estavam no alvo dos bandidos e, apesar de saber que eles estavam mandando as pessoas descerem dos ônibus antes de atear fogo, imaginar que alguém da sua família pode passar por essa situação deixa qualquer um tenso, além dos ataques às estações de metrô, que também não visavam ferir qualquer pessoa, mas que causam um certo desconforto e medo em quem precisava utilizar esse serviço.
Mas no fim, o que a mídia não falou é que tudo isso é 'o troco' dado pelo PCC (Primeiro Comando do Corinthians) pelas porradas que levaram no Pacaembu no jogo contra o River Plate.

Anónimo disse...

bem, pra iniciar concordo com o autor das palavras bem postas sobre as emissoras, que podemos chamar de mídia. eles de gostam de coisas que gerem polêmica, como mortes, sequestros, roubos, crise religiosa entre a cortomante fulana ou na igreja de tal e tal, agora eu te pergunto, você andando nas ruas a noite em plena segurança na cidade de SP, irônico não? pois é. quem te livrará do mal?as vezes você reza ou até pode orar, não sei como se porta em relação ao mundo...um dia os céus vão se abrir, e vai gritar toda dor, vai descarregar toda força que tem, nuvens densas e imensas trevas cobrirão esta terra sedenta e seca, mas não é falta carnal, um sentimento natural, todo ser humano tem dentro de si uma falta natural, um dia vocês vão perceber isso tudo, um abraço e fiquem com DEUS!!!FRENESI é arrebatamento!!!