De uns tempos para cá, resolvi usar definições do dicionário (no caso abaixo tirei do Houaiss) para as palavras bonitas que gosto de usar como base para os meus desabafos, então, seguindo essa idéia, hoje vamos tocar em uma palavra que os brasileiros gostam muito de usar em seu dia-a-dia, mas vocês costumam ouvir variações como “icresia” e “hiproquisia” com certa freqüência.
hipocrisia
Datação
sXV cf. FichIVPM
Acepções
■ substantivo feminino
- característica do que é hipócrita; falsidade, dissimulação
Ex.: com a h. que lhe é peculiar, pôs-se a adular a sogra - ato ou efeito de fingir, de dissimular os verdadeiros sentimentos, intenções; fingimento, falsidade
Ex.: ela veio com a habitual h., mas não me enganou - caráter daquilo que carece de sinceridade
Ex.: a h. das palavras
Agora você já sabe que falar que é fingimento, dissimulação, mentira ou falsidade dá quase na mesma, dependendo do contexto você escolhe uma dessas palavras.
E por que diabos a palavra de ordem é a hipocrisia? Simples, queridos leitores, porque ela banha a nossa sociedade de uma maneira tão natural que respiramos ela sem reclamar: como fazemos com o mau cheiro exalado pelos escapamentos dos carros, ou pior, como fazemos com o mau cheiro dos rios Pinheiros e Tietê – no final, achamos esse fedor insuportável a coisa mais natural do mundo!
O papa vem ao Brasil! Acabaram-se os problemas.
Resolvemos a sujeira na cidade, acabamos com as pichações, encerramos com problema dos moradores de rua, as crianças de rua do Vale do Anhangabaú e da Sé encontraram lares seguros, os desempregados, desocupados e desesperados que permeiam o centro da cidade encontraram emprego ou ocupação. Milagre, tudo foi resolvido somente com a visita da Suprema Santidade ao Brasil.
Quero que o Vaticano se mude para São Paulo, viveríamos então no Paraíso – mudaríamos então o nome da Consolação para Paraíso II e os prostíbulos na Augusta virariam casas de oração (Hein!? Hein!? Sacaram?).
Por que digo isso? Desde que o Papa levantou seu traseiro lá do Vaticano, a cidade está se tornando “melhor”. Estão removendo os mendigos do centro (e suas fezes que se espalham do Largo do São Franscisco, Rua Direita, Sé e São Bento também sumiram), estão limpando as pichações dos monumentos e prédios históricos, há policiamento em quase todas as ruas (sem contar o Exército), os camelôs sumiram, as crianças de rua foram para outro lugar e até mesmo o Outono paulistano resolveu vim ver o Papa – viva a friaca e a garoa!
Os problemas se resolveram de uma vez! Aleluia, irmãos! Renovemos a fé católica apostólica romana! Viva o nosso eterno rock star! Viva o Pontífice Supremo da Igreja!
Até parece, crédulos e miseráveis paulistanos! A cidade está passando por aquela maquiagem básica, pior do que a que ocorre em períodos eleitorais – estamos tentando vender a imagem de país do bem, de cidade bonita e ideal. O que acontece aqui é mais ou menos o que ocorre com o Rio de Janeiro e sua orla maravilhosa, ocultando os morros que juntam a pobreza e a violência bem longe dos olhos dos turistas, mascaradas pelas fachadas dos arranha-céus cariocas e lá atrás do Corcovado, bem na sombra do Cristo Redentor.
Somos vítimas da hipocrisia brasileira, natural em nosso sangue, incrustada nas gerações que estão no poder através dos anos de militarismo, onde vale mais uma faxina para a visita ver como você é polido do que a resolução permanente dos problemas do encanamento da sua casa.
É mais ou menos o que acontece quando sua mãe resolve limpar a casa para receber visita, mostrando que lá vivem pessoas educadas, preocupadas com a higiene, mas no restante dos dias tudo fica uma zona – sem contar com os problemas de relacionamento familiar. Todo mundo sentado, na sala impecavelmente limpa, com sorrisos brancos esticados em face, fingindo ser a imagem da família de comercial de margarina.
O Papa fica aqui até o final de semana, depois volta para seu país que tem a maior renda per capita do mundo – e eles nem produzem petróleo. Talvez eles não tenham a maior renda per capita, posso estar enganado (e tenho quase certeza que estou), mas posso garantir que o maior lastro do mundo está lá, no Vaticano, um pingo de ouro, prata, obras de arte e pedras preciosas bem no meio da bota italiana – é um pin que Pan nenhum substituí.
Quando o senhor Bento XVI voltar para sua terra do ouro, da felicidade e das missas (eu insisto que lá também é a terra das massas, porque esse negócio do Vaticano ser Estado independente é estranho demais pra mim – é menor do que Campinas o lugar, gente!) as coisas vão voltar rapidinho para o original: as crianças de rua tomando banho e mijando nas fontes do Anhangabaú e da Sé; o chafariz da Praça Ramos desligado, rodeado de camelôs, cheiradores de cola e paulistanos preocupados em chegar no trabalho/casa depois de já ter ralado um dia/noite inteiro; assaltos pelos viciados em crack na região central; merda espalhada pelas ruas centrais – da Sé para todo o seu entorno, com o selo de garantia “Dobradinha Paulista: feijão, arroz e cheiro de Tietê”... e por aí vai, a lista de coisas que voltarão é tão triste que nem quero mais lembrar.
Aliás, vale lembrar que não é “Bento Xisvi” (parece nome de "réper" brasileiro), pois se lê “Bendo Dezesseis”, tá? É que estou me esforçando, afinal, o ensino brasileiro anda tão bom que as pessoas nem sabem sequer o nome do último presidente antes do Lula (eca!) – talvez, pela média nacional, só 20% das pessoas consiga chegar a esse ponto do texto sem se cansar porque a leitura é muito extensa).
Em armas de brinquedo, medo de brincar
Em anúncios luminosos, lâminas de barbear
nos anúncios de cigarro que avisam que fumar faz mal
- A violência travestida faz seu trottoirToda catedral é populista
É pop, é macumba prá turista
E afinal? O que é Rock'n'roll?
Os óculos do John, ou o olhar do Paul?
- O Papa é Pop
Impossível eu, com meus vinte e sete anos, não me lembrar de Engenheiros do Hawaí e fazer um medley entre “O Papa é Pop” e “A violência travestida faz seu trottoir”. Tudo bem, a minha geração lembra dessas músicas, pelo menos de uma delas, garanto! E é impossível não citar um trecho de ambas as letras, mas elas deviam ser revisitadas e modernizadas, afinal, o Papa nem é mais o mesmo Pop, agora ele é da direita e é conservador, tem cara de ditador eslavo e se vestisse farda seria a reencarnação do Boris Yeltsin ou, com um manto beneditino, um cosplay mais que perfeito do Imperador Palpatine – vejam se na foto ele não é “categoria pro”; também a violência não está mais travestida (só os emos) e não se finge mais nada de forma discreta, é tudo agora mentira na caruda, afinal, quem é que consegue questionar alguma coisa? O nível intelectual do brasileiro cai cada vez mais e o máximo de contestação que se sente é quando toda a massa da classe média assiste Arnaldo Jabor com suas críticas na Globo – vejam bem, meus queridos, Jabor e Globo são o que questionam o país. Onde estamos? Universo paralelo? Não, nivelamos por baixo o nosso país... já somos um barco fazendo água em seus últimos suspiros, agora, vale a nós escolhermos nosso botes salva-vidas – se você não tem grana pra comprar o seu, reze pra sobrar uma “táubua” pra se segurar e que não seja uma “táubua de tiro ao Álvaro”.
P.S.: Cada dia mais atenção viro pro budismo, pelo menos a prece é discreta!
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