Faz tempo que não verborrageio sobre cinema. Também faz tempo que não invento palavra nova e verborragiar é uma das bem feias! Tudo bem, é perdoável, afinal, minha cabeça não para de trabalhar pra digerir um filme que assisti ontem – uma das doces surpresas que me acontecem às vezes.
No começo do ano levei um tapa de um filme foda, com uma fotografia e direção de arte fantástica, chamado “A Passagem” (Stay, no original). O filme traz Ewan MacGregor e foi só por isso que me chamou a atenção no meio dos filmes que ninguém sequer chega perto na locadora. Ontem, levei um outro tapa, mas esse foi mais parecido com o que me deu “Uma simples formalidade”, com o Gérard Depardieu e Roman Polanski.
Tomei a garoa de São Paulo o dia inteiro e a noite não pude resistir a pegar filmes para assistir em casa durante a semana, afinal, depender da TV a cabo não dá mais. Aluguei vários títulos interessantes, entre eles “O último rei da Escócia”, mas o que me chamou a atenção foi um chamado “Mais estranho que a ficção”.
Fiz o mesmo que com “A Passagem”, olhei ele com calma, vi que o Dustin Hoffman estava no elenco e fiquei curioso – a final Will Ferrel é engraçado, mas a soma dos dois pareceu ser, no mínimo, inusitada. Minha atenção ficou ainda mais presa quando li a sinopse:
“Certa manhã Harold Crick (Will Ferrell), um funcionário da Receita Federal, passa a ouvir seus pensamentos como se fossem narrados por uma voz feminina. A voz narra não apenas suas idéias, mas também seus sentimentos e atos com grande precisão. Apenas Harold consegue ouvir esta voz, o que o faz ficar agoniado. Esta sensação aumenta ainda mais quando descobre pela voz que está prestes a morrer, o que o faz desesperadamente tentar descobrir quem está falando em sua cabeça e como impedir sua própria morte.”
Logo pensei que era alguma coisa entre uma comédia tipo “Click” e “O Show de Truman”, essas coisas que os comediantes fazem para tentar agradar mais do que as crianças e entrar para o eixo sci-fi cult. Como me enganei! Encontrei um filme sensível e, ouso eu comparar, ao filme “Muito além do jardim”, um dos filmes mais doloridos, gostosos e perturbadores que assisti em minha vida (com a atuação mais que brilhante do Petter Sellers)
Sem contar este aspecto sensível, o filme tem uma direção fantástica e uma estética mais que perfeita para representar o dia-a-dia repetitivo e sem gosto em que vivemos – talvez uma das formas mais certeiras que vi até hoje, modernizando a repetição de movimentos de “Tempos modernos” de Chaplin.
Em “Mais estranho...” eu acabei vendo o cotidiano e os questionamentos feitos em tantos livros, em tantos filmes. Fiquei perplexo em me ver bombardeado pelo imediatismo do respirar, do viver. Senti-me engolido como se tivesse lido ou assistido “Clube da Luta”, mas o estrago foi maior. Sabe aquela premissa médica que o maior estrago está onde a gente não pode ver? Então, foi mais ou menos isso. A mensagem do filme chegou de mansinho, penetrando bem fundo e quando percebi já tinha detonado muita coisa do meu dia-a-dia – foi reacendida aquela necessidade imediata de viver, respirar e de gostar cada dia mais das pequenas coisas, desde o ônibus lotado, aos ambulantes nas ruas e os pequenos momentos bobos que temos com quem gostamos.
Talvez o filme seja tão destruidor quanto Saint-Exúpery, quando escreveu em "O Pequeno Príncipe": “o essencial é invisível aos olhos”.
Nunca fiquei tão feliz em estar enganado sobre um filme.
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