4.1.10

Primeiras vezes

Desci do ônibus em minha cidade natal, do tão famoso "Cometão", ao lado do terminal municipal de ônibus. Sorocaba é uma dessas cidades que tem uma infra-estrutura bem particular de transporte, nada muito grandioso, mas que funciona bem. Coloquei a mala aos meus pés e fiquei a esperar o ônibus que me levaria até a casa dos meus pais.

Comecei a observar as coisas que estavam a minha volta, como é de minha natureza curiosa, e fixei a atenção em um casal de adolescentes. Os dois não deviam ter mais do que quinze anos. Idade fantástica, onde o fantástico está em não saber de muita coisa e mesmo assim ter o melhor que o mundo lhe dá: as primeiras vezes.

Trocavam carícias, beijos e olhares, como se o mundo inteiro estivesse resumido lá entre os dois.

Assumo: invejei-os do fundo do meu coração, com aquele amargor maldito que só a malícia nos dá. O amor, quando não se tem tanta bagagem emocional, é a coisa mais bonita do universo e é um universo por si só.

Como seria se eu apagasse todas as mágoas? Todos os encontros tristes? Todos os sorrisos dados? Todas as vezes que fui pra cama com alguém?

Resgataria eu a pureza das primeiras vezes? Trocaria todas as boas memórias - e as ruins - para poder errar de novo, mas que fosse, com certeza, sempre pela primeira vez.

Isso é algo que o tempo nos dá, seja em uma vida acelerada ou na maior calmaria possível. O gosto daquela comida especial muda com o passar dos anos - e como isso é triste.

Voltei a observá-los no meio dos meus devaneios, estavam os dois bem entrelaçados nessa viagem entre saudosismo e reflexão: ambos deixaram-se perder o seu ônibus. Deixaram-se ficar juntos por mais alguns minutos. Talvez eles nem se amem e seja apenas um "ficar por hoje", mas eu não me importo.

Sorrio lembrando quando fazia o mesmo: deixar-me perder o ônibus para ficar abraçado com minha primeira namorada esperando o próximo. Dez minutos eram uma vida condensada, sensações maravilhosas e que nunca vou me esquecer. Lembrei também que o fazia por namoradas ou por algum rolinho, mas eu me permitia fazer isso e me sentir pleno, vivendo aquela primeira vez.

O experimentar é saudoso, fica apenas o desejo de provar o pavê da sua avó com o mesmo gosto que tinha quando você não marcava no odômetro mais do que seis anos corridos.

Resta a nós, que trazemos tantas bandagens sujas, tantos vícios de resposta e tantos medos infundados, ficarmos pasmos quando observamos os que ainda se soltam de verdade em seus primeiros voos.

Creio que, se todos agíssemos como pássaros novos e não ligássemos para as fraturas, seríamos pessoas mais felizes.

Espero o meu ônibus com o desejo mais profundo de novas primeiras vezes.

19/12/2009