21.6.05

Sobre o amor e as coisas

Ontem iniciei um desenvolvimento de uma idéia sobre o amor como uma fuga ou incapacidade do individuo de se completar por si mesmo. Creio que o desenvolvimento dessa idéia seja natural quando começamos a pensar sobre as necessidades do ser humano e seus laços afetivos. Aliás, muitas idéias podem ser naturais no desenvolvimento do intelecto e das idéias sobre diversos assuntos, uma evolução constante nas impressões que temos sobre a realidade que nos cerca.

Parei mais alguns instantes no dia de hoje para questionar o surgimento da impressão anterior sobre a fraqueza da psiquê pessoal e da forma como buscamos complemento em um outro eu que não o nosso. Ainda acredito que é fraqueza a fuga de si mesmo e a tentativa de encontrar um algo mais em outrem, mas é humano. A característica da natureza humana é tentar manter laços com os indivíduos a sua volta, criando vínculos sociais – eis uma herança do desenvolvimento dos laços sociais e do povo (existe uma linha de raciocínio que prega que a mente coletiva é uma entidade separada do individuo). A pressão social acaba sendo inerente ao aspecto da nossa existência e manter laços afetivos não é fraqueza propriamente dita, mas sim uma adaptação a um modo de vida; os laços são necessários para nossa existência e perpetuação, como se fizéssemos nossa existência mais prolongada a partir do momento que criamos um significado para aqueles que nos cercam.

O grande problema em si não é a necessidade por complemento, mas sim uma projeção que fazemos das nossas necessidades em outras pessoas. Um dia eu já parei para ponderar sobre o assunto e cheguei a conclusão que passamos a amar o amor. Não nutrimos um sentimento por uma pessoa, mas sim por um sentimento. Apegamo-nos tanto a idéia de encontrar um amor verdadeiro que acabamos amando esse sentimento e não a pessoa pela qual dizemos nutri-lo de fato. Sei que alguém já deve ter chego a essa conclusão e que, talvez, seja o fundamento de uma linha de raciocínio filosófico ou uma das premissas primordiais da psicologia (ou uma escola qualquer de pensamento jogada ao vento), mas o que importa é que acredito piamente que isso seja o causador da maioria do sofrimento que observo.

Prendo-me não só em experiências pessoais para fazer essa afirmação, mas sim no testemunho do sofrimento causado pela decepção que envolve os rompimentos ou relacionamentos conturbados que me circundam. Tudo seria mais fácil se as pessoas não amassem o amor, se elas de fato se apegassem as pessoas pelos que elas são – amassem não a projeção de uma idéia, mas sim o individuo como ele mesmo. Acredito que eu tente fazer isso sempre, mas quando observo o que as outras pessoas esperam e percebo que não é realmente o que eu sou vejo que está refletido em mim um anseio que não corresponde à realidade.

As relações afetuosas são, em grande parte, frutos dessa projeção, dessa imagem ficcional que as pessoas criam sobre a realidade. Tudo não passa de desejo projetado, de transferência de sentimentos e de necessidades para um alvo. Não duvido que seja fruto de um anseio primal, mas o fato é que de fato a solidez desses anseios pode transformá-los em algo concreto.

Talvez o amor seja de fato um efeito psicossomático e sua existência não deva ser racionalizada, mesmo que provem por A + B que ele é resultado de uma somatória de hormônios descarregados em nossa corrente sanguínea que iniciam uma série de sintomas que se encerram na irrigação de nosso cérebro com impulsos que são somados aos neuroreceptores e os transformam em memória, lembranças ou seja o que queiram chamar.

O amor é ficcional, mas a crença em sua existência e a intensidade do apego que criamos a essa idéia o fazem ser um paradigma tão fortemente aceito que não pode ser negado em sua paradoxibilidade. Frexionamos a realidade para que ela se adeqüe aos anseios coletivos e fazemos dos laços que eram antes necessidade tribal algo sublime. É aí que o aspecto criativo da humanidade entra em ação.

Associamos tantas imagens ao paradigma do afeto e do amor que ele se torna uma forma viva, deixando de ser apenas fruto da necessidade do individuo em criar laços. O amor ganha vida, multiplica-se em formas, intensidades, imagens e impressões, vai além do que o planejado e passa a esfera do inconsciente: o amor deixa de ser então a somatória de fatores e passa a ser um objetivo difundido nos maneirismos sociais.

O ser humano então o associa a diversos aspectos e ele transcende o papel relacional, passa a significar o divino. Então, o amor deixa de ser necessidade somente do ser, passa a ser necessário também para o convívio das pessoas, passa a ser necessário para o convívio da sociedade.

Então nascem os sublimadores, aqueles indivíduos que buscam o ideal do amor e se prendem tanto a ele que passam a documentá-lo em suas obras de arte, sejam elas de qualquer esfera. A identificação direta do ser humano para com essas idéias é imediata, já que está imbuído no ser a capacidade de projetar, cria-se então uma segunda projeção: a do artista sobre o sentimento.

Essa projeção inversa cria uma reação contrária, como toda força natural tem de ser (e lembrem-se, a sociedade além de entidade pode ser considerada também uma força natural, segundo o pensamento evocado no começo desse texto). A reação em questão é que o sentimento acaba se criando na arte e tudo se mistura: o ser humano passa a não saber mais onde termina a projeção do sentimento na arte e onde inicia a projeção da arte no sentimento.

O que era até o momento reflexo passa a ser reflexo do reflexo, cópia da cópia. Um simulacro de uma idéia que teve inicio na natureza social e passa a ser necessidade para a vida dessa mesma natureza.

A necessidade por outrem passa a ser necessidade também da perpetuação dos laços sociais e a evolução desse intelecto transcende os fins reprodutivos. Como não estamos mais falando do amor pela sua necessidade natural, acabam se criando o amor pelo amor apenas: pessoas podem criar laços afetivos de diversos níveis, pois eles são necessários para a perpetuação da sociedade e não da espécie em si. Os valores passam a ser herdados e modificados a cada geração de idéias (existe uma teoria que essa evolução é cíclica, mas também não me lembro quem é o autor de tal pensamento), então eles se tornam cada vez mais dinâmicos e, no final, o que sobrevive é a liberdade do desejo, do anseio pela carne e do ideal do amor – possibilitam-se as criações dos sentimentos pelos indivíduos bem além da esfera convencional e os laços entre os indivíduos são expandidos, abrindo brechas para que o amor seja considerado também carnal, físico.

Todos os nuances são paradoxais quando analisados de maneira detalhista, mas tudo é uma evolução de um intelecto, uma idéia que nasceu da necessidade do ser e passou a ser a necessidade do coletivo. O amor não é um sentimento nascido do ambiente natural, mas sim uma imposição social pela qual convivemos e, devido a incessante insistência em tal ideal, transforma-se em algo tão natural quanto sentir fome – só que a fome pelo amor não é necessidade física, do individuo natural, mas sim da somatória de todos os aspectos que determinam o ser em uma era onde o que sobrevive é o ideal coletivo em detrimento do ideal pessoal.

Amar pode ser um sentimento nobre, mas a nobreza também é um elemento social.

P.S.: Posso ter sido confuso ou prolixo, mas a tempestade de idéias que está aqui pede para que eu descarregue dessa forma. Sou assim, preciso entender os princípios, explicar os motivos, as coisas todas e afins, para que no final eu possa ter um descanso tranqüilo no final do dia. Não consigo falar o que me incomoda, então tento explicar isso através do desenvolvimento do mundo a minha volta. Talvez isso seja minha maneira de aproveitar a energia que acabo por implodir em mim, mas no final sou a existência de mim mesmo bem além daqui – sou forte além do meu espírito, mas vivo mais em quem deseja me receber.

Poe Bellentani - 21/06/2005 – 00h38


1 comentário:

Anónimo disse...

É por isso que eu te amo.... rs
beijos
Saudade.