Inócuo em vão
O vão é menorzinho do que era pra ser, mas passam por ele muita água e muita lama. O vão transborda sujeira pelo outro lado, quando na verdade não era nem para ser vão. Talvez ele devesse apenas ser menor, porque diminutivos na verdade servem para amenizar condições, um facilitador de dizeres pesados ou modo de transformar em eufemismo algum superlativo qualquer - ao invés de você chamar de gordo você chama de fofinho, ao invés de “você não é bonito” um “bonitinho” e ao invés de suportável um “legalzinho”; sempre uma maneira de melhorar o que não é de verdade melhor.
Fica lá o vão, independente dos adjetivos diminutivizados ou seja lá o que for. O vão questiona sua condição, era para ser preenchido, porque vão é uma coisa tão vazia e sem sentido. Por que tudo tem que ter um vão? Você não inventa uma saída a toa, mas por que não preencher de cimento e deixar tudo mais sólido e real? Não sei, é mais uma das respostas que cria um vão... e esse é dos grandes.
A lacuna (olha como podemos feminilizar o vão) não se encontra na natureza, pode ser que a lei natural tenha criado os diversos espaços vazios, mas eles não querem ficar lá. Pelo menos, esse que eu menciono não. Ele está lá, atrás da pia do quintal, fazendo barulhinhos de goteira. Por ele escorregam os sonhos que eu jogo nos fundos de minha casa e por ele se vão todas as coisas pequenas que ficam soltas pelo terreno. Se vão fosse coisa merecedora de ignorância não seria responsável pela perda de coisas importantes, mas pequenas, de minha vida inteira.
Pelo vão se foi a cor da minha camisa, escorrida pela água sanitária jogada sem querer para limpar o limo que ficou aglomerado na parede, partindo lá do fundo do vão. Por ele foram também embora várias pecinhas daqueles meus brinquedos de infância. No final, o que ficou foi nada a mais do que sujeira e água escorrendo pelo buraquinho, mas também restou a camisa não mais alaranjada, toda desbotada - tudo culpa do mofo que se juntou por eu permitir que por muito tempo existisse esse vão.
É um filho da putinha esse vão. Só que não quero mais deixá-lo lá quieto, escondido, permitindo que por ele escorram os meus sonhos e as cores que eu gostava estampadas em minha camiseta. Dos preferidos fico com aqueles que ainda me são caros, pois o vão é apenas conseqüência da minha falta de responsabilidade e compromisso com as coisas que me são caras.
Não quero mais ser engolido por minha inocuidade.
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