Os comprimidos desceram rolando pela goela adentro. Algo disparou o gatilho, não foi culpa de nada físico e nem mesmo uma música besta, apenas a cabeça disparou duas ou três paranóias das bem pesadas.
Augusto olhou para o espelho enquanto os comprimidos desciam secos – não havia tempo para a água, a angústia era mais veloz do que a torneira.
Mais dois, sacados como um cowboy de programa de TV antigo. Goela abaixo, corpo adentro.
O alivio não veio como o imaginado. Nada de “alivio imediato para a depressão ou o seu dinheiro de volta”. O relógio continuava batendo os ponteiros, os gatos continuavam trepando nos telhados e a vizinha do 207 continuava trepando com algum de seus muitos amantes no andar de cima – a cama pulava.
No tic-tac dos momentos nada se perdeu. A televisão ligada sem nada passando, nada além de estática, era o abajur perfeito. A fumaça de 20 cigarros desenhava seus padrões pela casa, serpenteando como dançarinhas do ventre em restaurante barato no centro de São Paulo.
Dois segundos separaram o que tinha sentido do que havia para sofrer – e esses sofrimentos não são facilmente explicáveis, eles apenas vem. Se a angústia tivesse forma, ela seria um daqueles abajures “plasma” da década de 70: horríveis, mas todo mundo sempre vai admirar um em sua vida, com aqueles imensos olhos de criança que viu Papai Noel de shopping.
Então, Augusto olhou para suas mãos e sussurrou:
- Bateu...
Seus dedos formigavam primeiro, seus olhos embaçaram e a angústia agora parecia a Madonna. Não a atual, a Madonna gostosa do Erotica. Ela vinha rebolando, sensual, acariciando seus cabelos e fazendo aquele biquinho de super modelo da década de noventa. Ah, Naomi Angústia e Linda Depressão!
O mundo de Augusto girava e os giros tinham compasso distorcido. Deitou no sofá. Lá, descobriu um universo novo. Eram milhares de sensações, de anseios misturados em um novelo de expansões. A vida se resumia àqueles segundos.
Deitou a cabeça sobre os travesseiros de tema de quadrinhos. Abraçou um deles como se fosse os braços de sua mãe. Sorriu.
Exatamente, as duas e trinta e cinco da manhã, descobriu o que era o alívio da dor. Não morreu, mas lá no fundo do seu ser sentiu que faltava algo ao seu lado.
Comprou no dia seguinte um cachorro e nunca mais tomou seus comprimidos.
Poe Bellentani
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Lembrem-se que contos não são autobiográficos, não em sua totalidade, mas talvez em algumas metáforas. O “eu poético” se esconde entre os dois mundos.
Ao som de Feel Good Hit Of The Summer - Queens Of The Stone Age
1 comentário:
snif a lot
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