Ele.
A distância nunca foi algo que o incomodou de verdade, já teve namoradas que moravam em outras cidades e algumas que saíram do país por períodos até que longos (para ele, uma semana eram décadas). Também nunca se estranhou muito com essa coisa de ciume, sempre foi uma pessoa calma que não ligava para as horas que seus amores passavam com outros amores – sim, porque amigos, colegas de trabalho, hobbies, vibradores e tortas de chocolate são tipos de amores.
Tudo isso o pintava como uma pessoa bem resolvida. Todos o achavam, por isso, um tanto frio e distante dos valores comuns. Nunca se preocupou em ser sensível, isso era coisa pra bichinha ou pra esses eminhos que pintavam os olhos – o que diriam seus amigos que ouviam rock cafajeste se ele fosse diferente?
Nunca o viram chorar, só quando o Bruce Willis pulou do prédio em Duro de Matar. Ah, aquilo sim foi a emoção da sua vida.
Bom, isso é o que ele pensava até agora, segurando o retrato de Tereza nas mãos. Nunca foi de imprimir fotos, nem mesmo de guardar momentos, pois sempre achou que isso o deixava fraco, mas lá estava uma foto impressa em Epson LX 310. Jamais ostentou a sua sensibilidade, mas ele era sim um emozinho, mas não pintava os olhos. Sempre guardou seu lado cafona dos outros – ninguém nunca procuraria naquela pasta de seu computador, que sabiamente nomeou de “workstuff”, por músicas dos Hanson, Back Street Boys, The Cure e Brian Adams.
A coceirinha da saudade o deixava estranho com ele mesmo, mas nunca amou Tereza. Bom, pelo menos não do jeito que os outros homens pensam que é amor. Nunca foi com ela para a cama. Sim, foi, uma ou duas vezes, mas nunca fez sexo, porque bastava o calor dos dois corpos para eles se sentirem bem.
Não conseguia imaginar porque agora, depois de tantos anos, Tereza era uma imagem tão sólida em sua mente. Podia sentir o cheiro dela pela casa, podia escutar os seus passos felinos e ouvir a sua voz rouca. Empolgava-se em pensar nos mil planos que ela estaria fazendo ali com ele, sentados os dois de pijamas feitos com roupas velhas de colegial e com os dedos sujos de aprontar alguma arte bem tosca que chamariam de “prova de conceito”.
Ah, lá estava o sorriso bobo de adolescente em sua face, só de imaginar que aquilo viraria música. Sentia que podia compor mais alguma daquelas suas obras primas que falavam coisas bonitas como “cachaça é água benta para os francos”. Mas só imaginava a continuidade com um solo bem chinfrim de violão – daqueles que deixariam o Guns com inveja.
Não adiantava, Tereza fazia suas voltas e revoltas sem mesmo estar presente. E não era porque ela queria essa distância, ela aconteceu, mas foi nessa distância que os dois se aproximaram.
Ela.
Nada como um bom café em São Paulo. Mateus já não mandava e-mails de Seatle faziam semanas. Ela se sentia estranha. Nunca desejou tanto palavrinhas escritas pela Internet. Ela sabia muito bem que no final, ele mandaria alguma bobeirinha e terminaria com uma piada das mais bestas possíveis, sugerindo que estava pegando todas por lá.
Bem pudera, com aqueles cabelos encaracolados e aqueles olhos cor de mel, qualquer gringa cairia fácil nos braços não-tão-fortes-assim-mas-saborosos dele.
Dois retoques na maquiagem aqui, uma arrumada nos cabelos loiros ali, ela se contorceu na cadeira esperando alguma cantada do grupo de meninos do outro lado. Enquanto isso, várias mensagens de textos para os amigos e a continuidade na leitura de seu livro sobre design emocional.
No seu MP3 player, um pouco de electro francês e um pouco da raiva de não poder acender a porra de um cigarro em locais fechados – os cafés de São Paulo deixaram tanto de parecerem cosmopolitas, ou será que o mundo cosmopolita ficou corretamente politizado?
Vários pensamentos, projetos e planos, no turbilhão de seus peitinhos duros. Ela olhava para si mesma e sentia a falta de alguma coisa que não sabia bem – havia esquecido algum acessório ou o algum detalhe do pedido ao garçom?
Acessou a internet pelo celular esperando um e-mail de Mateus, olhando a sua volta e dando um dos seus tão particulares nozinhos nos cabelos. Sorriu, não havia nada, só uma esperança.
Eles.
Não se encontraram nos próximos meses, nem Tereza e nem Mateus. Quando se viram, deram um abraço sem jeito, não falaram dos pequenos e-mails trocados, das piadas prontas, dos projetos e nem de tanta coisa que os tempestuou por tanto tempo.
Sentaram-se de mãos dadas em um banco do parque Trianon e lá trocaram olhares. Eram duas crianças que não sabiam bem o que dizer. Não realizaram nem metade das saudades que tiveram, nem dos desejos, nem dos sonhos e nem dos planos – apenas se olharam.
Compartilharam a intimidade do silêncio e, depois de algumas horas, deram um abraço demorado, um beijo no rosto bem caloroso. Em uma escorregadinha de canto da boca tocaram os lábios. E só.
Despediram-se e se viram três meses depois, fizeram o mesmo rito. E isso se repetiu por anos.
Hoje, os dois tem filhos. Marido e esposa que não são eles e o maior tesouro em seu peito ainda está guardado. Todas as vezes que se encontram no passar dos anos dão o mesmo beijo de canto da boca e esperam que o sublime seja realizado.
Envelhecem sem envelhecer a si mesmos.
Dedicado a todos aqueles que, na felicidade da ausência, esperam.
Quarta-feira, 6 de janeiro de 2010 – 4h13 da manhã
1 comentário:
Me lembrou muito o amor nos tempos do cólera o final. É linda e dolorida essa história de esperar sabese-la o que de nos mesmos. Como é incrível ver a vida passar, e o coração ainda disparar por alguém...A gente deseja tanto que algo aconteça, que poderia acontecer só um pouquinho né?
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