17.5.05

Os cantos do silêncio

Olhei para os lados, encostado no balcão – os mesmos rostos abertos faziam o atendimento. Nada era incomum e talvez um ou outro microverso estivesse agora em seu Big-Bang particular. Não importava muito isso naquela hora. Tudo o que eu esperava era pretérito-futuro, nada perfeito – nada havia se concretizado de fato.

Meus dedos estavam impacientes e a mercadoria demorava a ser desembrulhada; malditos eram os rolinhos em que ela vinha embrulhada.

Fitei mais algumas vezes os rostos à minha volta e não obtive mais resposta do que uma série de brilhinhos muito particulares atráde de cada olhar – seus mundos se faziam distantes do meu e isso era o que me tranquilizava naquela hora.

Minhas encomendas chegavam aos poucos, afinal, dar bandeira não era o que eu queria e já existia um certo profissionalismo em meu modo de agir. Saber o que fazer na hora que é para ser feito, é uma das características que, juntamente com a discrição, mantém-nos sempre ativos nesa busca por mercadoria nova.

Esta era uma das coisas que eu havia aprendido em minha jornada fútil por entre as luzes piscantes, as bitucas de cigarro e o bafo de álcool; coisas tantas, diversas como são os formatos e a geometria dos flocos de neve – só que eu nunca havia visto um, havia lido em algum lugar quando criança ou visto em programas de televisão desses educativos que eles nunca eram iguais, mas já conhecia bem essa variedade das coisas, tal como conhecia os poros da minha pele.

A cada momento minhas mãos tremiam, mas sempre era assim. Ninguém é tão experiente como parece ou deveria. A minha diferença e a de um novato era apenas no como fazer, jamais no feito – condição sine qua non do mundo peirento e disperso onde eu resido.

O pacotinho caiu em minha mão e desembrulhei o meu presente. Sem pestanejar mandei para dentro, sem-dó-nem-piedade. Foi o mesmo efeito das outras vezes, o mesmo baque de sempre. Sorri no primeiro impacto e atingi o que chamo de “Nirvana-até-onde-conheço-o-termo”. Só que eu já estava tão acostumado com os efeitos. Todas as noites no mesmo jogo faz com que a partida perca a graça e que emoções novas sejam adicionadas ao tempero – e tudo perdia a sua graça com rapidez maior do que a adquirira.

As doses já superavam em muito o telorável. Já haviam se transformado em abuso invasivo. O corpo não emitia os mesmos sinais de antes e a mente parecia anestesiada pelo uso constante de ferramentas externas para se manter ativa. Uma dose. Duas doses. Três doses. Uma dúzia delas não adiantavam nada, podiam dar alguns sinais dos efeitso de outrora, mas eram apenas traços semi-apagados do prazer que despertava anteriormente. A tristeza vencia e era pior que abstinência, pois os perigos de sempre tentar alcançar o limite ainda se faziam presentes.

Não existia mais novidade naquele momento. Era tudo sem sal, sem cor e sem cheiro – um mundo de aforismas budistas soltos para alguém que não tem os meios necessários para decodificar a mensagem, um mundo escrito em Braile para surdos ou um baile para cegos, tanto faz a metáfora, o que importa de fato é que não havia mais sentido em continuar. O objetivo havia se perdido, não existia mais fuga, não havia mais prazer e não havia mais um lugar melhor que o nosso lar. Doroty havia partido para Kansas fazia muito tempo e havia deixado o Totó para fazer coco em todo Mundo Mágico de Oz.

Quando olhei para mim mesmo depois de tanta coisa enfiada goela abaixo, de tanto desaforo engolido para poder manter aquela aura de felicidade fake que já não tinha graça alguma e de tanta tentativa de encontrar algo mais em um mar de vazio, senti nojo. O nojo virou ânsia de vômito rapidamente, em uma metamorfose de deixar Kafka com inveja jorrei o meu ID para todos os lados do pequeno banheiro que ficava bem escondido no seu canto – os requintes descritivos poderiam criar uma nova mitologia e fariam o realismo-fantástico ser apenas um projeto de gaveta (e H.R. Giger acharia suas criações tão enfadonhas).

A ressaca estava vindo. O problema que eu tinha com ela era imenso, pois não era a ressaca de qualquer coisa. Talvez álcool, tabaco, maconha ou cocaína fossem mais bem-vindos quando a gente chegasse nessa hora; mas ser viciado em pessoas era um problema sem igual. A gente pega elas com cuidado e adiciona sempre algo novo ao cocktail que temos em nossa frente, sempre abrimos os braços para as novas amizades, mas no fundo, o que queremos é um pouco mais de sorriso e novidade em nossas vidas.

Pessoas dão a pior ressaca de todos os tempos. O seu uso constante transforma nosso pensamento em um mar de coisas sem sentido, em novidades que se tornam massantes cada vez mais rápido. Uma piada é nova na primeira vez, mas o repertório sempre estático transforma a fauna de pessoas que preenchem o mundo em um enorme aglomerado de coisas sem a menor utilidade. No começo, tudo é bonito, você usa e abusa da novidade e dos novos rostos, mas com o tempo tudo é enfadonho e massante. A mais interessante das almas se torna apenas um rosto com linhas inexpressivas em um mar de outros rostos com linhas semelhantes – não há fuga dessa prisão e o vício só é descoberto quando é tarde demais ou quando já causou estrago suficiente para ser lembrado pelo resto da vida (como a regra universal de todos os vícios).

Não adiantava a mim tentar fugir daquele cubículo onde eu havia me trancado. Pessoas continuariam a me dar náuseas e eu ficaria lá, soltando os bofes para fora até que o efeito tivesse passado. Só que eu sabia: não iria passar. Para onde quer que eu fosse elas estariam lá me esperando. A maioria delas sem nada a adicionar e uma pequena parte, sendo mais do que invólucros vazios, faria a diferença ajudando-me a desintoxicar meu organismo.

O vício residiria em mim mesmo que fugisse do banheiro e a cada segundo que eu estivesse fora dali teria que conviver com a sua face suja. Os sorrisos continuariam amarelos, as conversas ainda seriam massantes e as tentativas de ser diferente no meio da massa ainda me deixariam, de certa forma, delirante.

A minha infelicidade é que o meu vício não permitia a overdose (ou até o permitia, mas eu não morreria pelo uso: isso ocorreria pelo enorme tédio gerado pela ausência de alma dos invólucros de carne que jaziam a minha volta – pessoas, só isso, sem nomes, apenas apelidos amontoados aos montes em um mar de filosofia barata, de poses para fotos, de conteúdo comprado na Santa Efigênia e de respostas encontradas no Google.com).

Nenhum homem é uma ilha, mas a vida de homúnculo cansa demais.

6 comentários:

Anónimo disse...

Muito bom... eu li mesmo tááá! rsrs...
muito bom mesmo menino.
beijos pra tii
=******

Anónimo disse...

Não posso deixar de comentar esse trecho "com inveja jorrei o meu ID para todos os lados do pequeno banheiro". Pirei heheeh, muita bom.

beijinhos

Anónimo disse...

.bicho de 7 cabeças batido no liquidificador com tédio, rebeldia e internet??

.Hmmmmmmm...

.e com gostinho de vômito.

.Nheco!

.HeHe.

.eu explico a história pra vc... mas com a condição de vc me dar "aulinha de SW"...
xP~

.bXu.

Anónimo disse...

Nossa achei seu texto muito profundo e muito tocante.. na hora em que vc escreveu tudo isso com certeza vc devia estar se sentido sufocado com tantas palavras fortes que estao certamente incustadas no seu pensamento...
Sao tão tocantes que me deu ate um apertinho no coraçao! hehehehe..
se algo estiver te incomodando please tell me!
adoro vc! bjss

Anónimo disse...

invejiiiinhaaaa... texto fodástico.. fiz algo nesse estilo tambem certa vez, o tédio o nojo que as pessoas causam com o tempo...

moço.. pq tio niet é besteira hein?
beijo

Anónimo disse...

vc escreve taum bem...
falei com a fê...
ela naum ta brava naum..
era soh coisa do momento!
hehehe
bjs