Uma constatação quase mágica se faz surgir quando passamos a apreciar o que nos é sagrado, quando aprendemos a gostar de passar o tempo com nós mesmos e quando esse mundo de complicações nos bate a porta. Não vou falar aqui de epifanias porque já tive delas às toneladas nos últimos meses – foi quase como uma preparação para a despedida do que eu tinha.
Raramente em nossa vida podemos nos encontrar sozinhos e apreciar esses momentos, constatar que é bom passarmos momentos de solidão auto-induzida para que possamos identificar direito os aspectos que nos definem como indivíduos. Palavra bonita essa, né? Todo mundo usa para identificar pessoas: “Aquele indíviduo ...” em tom pejorativo, “o indivíduo estava..” em página de notícia policial ou, ainda, “mas vieram dois indivíduos e me abordaram...” para descrever um assalto.
Somos cercados por essa palavrinha, mas não identificamos ela como indicador de uma qualidade inerente a nós mesmos: somos pessoas diferentes, com gostos pessoais e que se devem completar por si só. Não, isso não é uma ode ao solteirismo adquirido ou a sensação quando passamos por términos de relacionamentos longos. Quero dizer aqui que temos que nos identificar antes de tudo e nos respeitar (obrigado, Laís, por me lembrar disso), saber nossas limitações e gostos, saber quem somos antes de continuar seguindo em frente.
Para quem você se arruma todos os dias quando sai do banho? Para que passar toneladas de cremes faciais na cara para se conservar novo? Para que um corte de cabelo que você acha bonito, mesmo que todos os olhares digam o contrário? Para que escrever textos e textos sobre você mesmo?
Não, não é complexo de pavão, hipérboles do ego para sair por aí mostrando quão interessante você é, mas sim a auto-afirmação do ser. Temos que gostar de nós mesmos acima de tudo antes de seguirmos por aí gostando do mundo – ah, e como eu gosto do mundo, quero agora aprender a gostar assim de mim mesmo!
Confesso que nos últimos tempos a minha misantropia chegou à beira da loucura, mas também confesso que o meu lado cosmopolita nunca vai morrer. A cabeça se reduz, seduzida pelas amarguras que a gente guarda quando as mudanças vem rápidas, mas o coração vai se contraindo como uma estrela anã que há de virar supernova - e sai da frente quando isso acontecer!
E quem não passou por isso? Se você, que lê esse texto, balançou a cabeça em negação, prepare-se, pois um dia ela baterá a sua porta. Quando as coisas dão errado e temos que mudar os rumos que achávamos certos, corretos e dogmáticos, as coisas se tornam sempre complicadas.
Nessas complicações atropelamos pessoas e sentimentos, mesmo que sejam só os nossos, mas faz parte, porque quando tudo se resolve e você é uma pessoa completa as coisas sempre ficam mais fáceis (inclusive os pedidos de desculpas).
A minha constatação mágica é exatamente a de gostar de tomar um banho e fazer a barba com calma, olhar para as imperfeições da face e sentir uma vergoinha dos cuidados que você deixou de dar a ela; é passar um perfume antes de ir pra cama e planejar que roupa irá no dia seguinte, gastando boa parte do seu tempo produtivo sendo produtivo para si mesmo.
Como é bom ler um livro, acender um cigarro sentado em seu sofá, ler algumas páginas e parar para pensar sobre o que está escrito nele. Como é bom criar personagens e amarrar suas histórias, mesmo que elas não se concretizem em contos ou poemas. Como é bom fazer o mesmo com um filme, sentado tomando um chá ou uma cerveja, pensando sobre o que tem lá que te prende tanto – seja filme “de arte”, cult ou mesmo um blockbuster pipoca.
O importante é se achar nessa confusão toda, no meio de twitters, blogs, fotologs e flickrs. Na nossa vida corrida já temos tanto para se pensar e tão pouco tempo para realizar que ficamos misturados a todos esses outros eus que estão por aí.
No final, somos o que somos, gostem ou odeiem, mas o importante é que nós mesmos saibamos a medida certa que devemos nos odiar e, principalmente, amar.
P.S.: A imagem é de Caravaggio, sobre Narciso.